Desenvolvimento

Futuro do transporte está na superfície

Há sete anos afastado da política, o ex-governador e ex-prefeito de Curitiba Jaime Lerner afirma em entrevista a O Estado que não pretende voltar a dois dos principais postos políticos do Paraná. Aos 72 anos de idade, o arquiteto e urbanista – que contribuiu para tornar Curitiba referência nacional – é contra a aplicação do metrô na cidade. Para ele, trata-se de uma tecnologia antiga e que inclusive não está mais sendo usada em grandes cidades do mundo.

O Estado – Como foi ser um dos responsáveis em tornar Curitiba uma das cidades mais avançadas do País?

Jaime Lerner – Eu tive a oportunidade de ser o responsável por Curitiba durante três momentos muito importantes que retrataram épocas e momentos distintos na vida do Brasil, do Estado e também da cidade. O primeiro mandato (1971-75) foi marcado por grandes transformações na área física, estruturação da cidade, início do sistema de transporte, criação de alguns parques, as áreas de reciclagem e da CIC (Cidade Industrial de Curitiba).

O segundo mandato (1979-83) foi um momento que ficou marcado pela entrada de Curitiba na área social e o fortalecimento da RIT (Rede Integrada de Transporte). Já no terceiro (1989-92), aconteceram novas modificações no sistema de transporte como a implantação dos ligeirinhos e dos biarticulados, o sistema que temos ainda hoje. Foi uma gestão que deixou Curitiba na vanguarda da questão ambiental e que tornou a cidade reconhecida mundialmente.

OE – Como avalia a infraestrutura de Curitiba, hoje?

JL – Curitiba está sempre crescendo com qualidade. Acho que a gestão atual está dando continuidade a essa técnica que tem como objetivo melhorar sempre a qualidade de vida dos moradores. Fico muito feliz, como curitibano, em ver que a cidade continua na vanguarda.

OE – É possível tornar uma cidade moderna e ao mesmo tempo funcional e segura aos seus moradores?

JL – A ideia é que a cidade seja uma estrutura de vida e trabalho agregadas que, além disso, possibilite a vivencia diversificada entre suas vizinhanças. Temos isso em Curitiba: condomínios de gente rica e favelas. Para mim, uma cidade humana é aquela que mistura todas as funções (moradia, trabalho, lazer, transporte). Em geral, ela mistura rendas, idades, religiões. Isso é uma característica muito positiva. Mesmo com as favelas, temos uma rede preocupada com a saúde, educação e assistência às crianças. No entanto, com todas essas assistências, um problema começou a atingir todas as cidades do mundo: as drogas.

OE – Qual seria a solução para os problemas das drogas?

JL – Esse é um problema mundial. O que podemos fazer é minimizar com consciência e educação às crianças. Outra opção seria a criação de empregos nas favelas, fazendo com que a droga não fosse uma alternativa de renda. Pessoalmente eu acho que mais cedo ou mais tarde o problema da droga deverá ser tratado como o da bebida, regulamentado por lei e cuidado por meios que possibilitem descriminalizar o consumo.

OE – O senhor já viajou e atuou em várias cidades fora do Brasil. Curitiba está muito aquém das grandes metrópoles mais desenvolvidas do exterior?

JL – Curitiba é hoje uma referência mundial por ser a cidade que em menos tempo teve o maior número de transformações. Hoje, poucas cidades do mundo podem apresentar o acervo de grandes transformações pelas quais a cidade já foi submetida. O exemplo se vê na área de transporte e na assistência social. Curitiba não é um paraíso, mas é hoje uma referência mundial.

OE – O transporte público seria um desses problemas?

JL – Em Curitiba, o transporte é uma grande referência. Eu diria que hoje a necessidade é fazer com que os ônibus cheguem ma,is rapidamente aos tubos. As estações foram projetadas para receber ônibus minuto a minuto, caso demore mais, congestiona. Quando o sistema começou, havia sistemas nos semáforos para que priorizassem a passagem dos ônibus, para que ele não pare em cada esquina e, consequentemente, atrasasse. A falta desse sistema é uma falha grave, que acaba prejudicando o trabalho como um todo. Por isso, a atualização é essencial.

OE – O metrô seria uma boa solução para Curitiba?

JL – Eu acho desnecessário. No imaginário das pessoas o metrô é como uma rede completa, mas isso não vai acontecer, será apenas uma linha. São Paulo tem quatro linhas, mas 84% dos deslocamentos são feitos por terra. É a superfície que precisa continuar a ser bem operada. Eu continuo acreditando que o futuro está na superfície. Não estou preocupado em provar qual é o sistema melhor, mas o metrô é um meio bem mais caro e que precisa ser subsidiado.

Acho que a população não está sabendo que ela terá que pagar por esse subsídio. Cidades muito maiores como Seul (Coreia do Sul), Bogotá (Colômbia) e Cidade do México (México), por exemplo, estão adotando o sistema aplicado em Curitiba. Então por que nós vamos copiar uma solução de fora? País subdesenvolvido é aquele que compra como última novidade o obsoleto. Nós estamos tentando comprar uma coisa que não existe mais.

OE – Sobre a Região Metropolitana de Curitiba, o que poderia ser feito para solucionar os problemas de infraestrutura e transporte?

JL – Como governador, fiz um trabalho importante de integração de transporte e abertura de condições de emprego. Toda a população hoje tem uma boa condição nessas cidades, que não são mais cidades-dormitório. Hoje, elas abrigam indústrias que geram muitos empregos. Mas para que essa sucessiva melhora na qualidade de vida continue, é necessário que exista uma parceria produtiva entre a prefeitura municipal e governo do Estado.

OE – Curitiba é uma das cidades candidatas a sediar a Copa do Mundo de 2014, estamos preparados para isso?

JL – Curitiba está preparada, mas acredito que o mais importante é estar preparada para o dia-a-dia. Se a cidade é boa, podemos abrigar qualquer coisa. Temos obrigação de estar bem preparados independente de receber a Copa ou não.

OE – Atualmente o senhor está afastado da política, pretende um dia voltar?

JL – Não. Estou sendo mais útil hoje fazendo o que eu sei em vários lugares, isso tem me dado uma grande alegria. Além de estar percorrendo e atuando em várias cidades brasileiras, estou muito feliz trabalhando também em outras regiões do mundo.

OE – Como avalia a gestão do governador Roberto Requião?

JL – Em todas as reuniões que acontecem na escolinha sou citado. Acho que para eles eu sou inesquecível. Para mim eles não existem, não posso falar mal de pessoas que não existem e que não fizeram por existir.

OE – E sobre Beto Richa?

JL – Acho que está sendo um ótimo prefeito. Foi reeleito justamente. Posso ter discordância com relação ao assunto do metrô, mas nada tira a minha admiração e apoio a ele como grande prefeito que é.