Esquema de lavagem de dinheiro é remontado

Um novo esquema de lavagem de dinheiro que passa pelo Paraná e teria a participação de paranaenses está pronto para substituir o que utilizou as contas CC-5 do Banestado até o fechamento da agência de Nova York, em 1999.

A denúncia foi feita ontem à CPI do Banestado na Assembléia Legislativa pelo delegado José Francisco Castilho Neto e pelo perito Renato Rodrigues Barbosa, ambos da Polícia Federal e integrantes da força-tarefa nacional que investiga a lavagem de dinheiro no país.

Eles alertaram a comissão para que examine cuidadosamente a carteira da antiga agência do Banestado em Cayman. Ali estariam camuflados empréstimos ilícitos que impuseram elevados prejuízos ao banco e ao Estado. Também enfatizaram que informações fundamentais para o mapeamento da corrupção no país estão contidos nos laudos produzidos pela força-tarefa desde a “Operação Macuco” até o de número 675, que se encontram em Curitiba e podem ser requeridos pela comissão parlamentar de inquérito.

Ainda na sessão de ontem a CPI aprovou o pedido de quebra de sigilo dessa documentação e o envio de interpelação ao Banco Central questionando sua não intervenção no Banestado em 1997, quando, segundo relatório do próprio banco, a contabilidade da instituição paranaense vinha sendo manipulada. O documento indaga também por que o Bacen, como interveniente, não fez cumprir a cláusula quinta do contrato de abertura de crédito e compra e venda de ações sob condição que entre si celebraram a União, o Estado do Paraná e o Banco Central, solicita um demonstrativo quanto às efetivas aplicações da resolução 981998 do Senado; o demonstrativo e a anuência do Bacen à utilização dos recursos utilizados no processo de saneamento do Banestado, e indaga por que o Bacen “permitiu que o Banestado promovesse a maior lavagem de dinheiro da história do Brasil, tendo ultrapassado US$ 30 bilhões, uma vez que o Bacen tinha conhecimento imediato (on-line) de cada remessa de dinheiro ao exterior”.

Roubo

Segundo Castilho, a força-tarefa constituída pelo Ministério da Justiça, Polícia Federal e Ministério Público apura “o maior roubo que se tem notícia na história brasileira”. Lamentou a interrupção há 35 dias dos trabalhos que vinha realizando nos Estados Unidos em conjunto com o perito Renato Barbosa, sob a alegação de falta de recursos para manter a equipe no Exterior. Ponderou que estavam num momento crucial das investigações, contando para isso com o auxílio das autoridades americanas, ainda sob o impacto dos atentados de 11 de setembro de 2001 e motivadas pelo desejo de rastrear o financiamento ao terrorismo internacional. “Interromper um trabalho que tinha avançado tanto é contraproducente e pode dar aos criminosos tempo suficiente para diluir provas, principalmente quando se trata de desvio de dinheiro”, criticou.

O delegado integra há vários anos equipe da Polícia Federal que levanta o desvio de dinheiro público. Foi para Foz do Iguaçu após as denúncias do procurador federal Celso Três, que apontou um gigantesco esquema de lavagem de dinheiro que tinha aquele município de fronteira como seu centro nervoso. Em função dos valores envolvidos – US$ 124 bilhões em todo o país – Três pediu a quebra do sigilo bancário das contas CC-5, mecanismo destinado a remessa de dinheiro para o exterior por estrangeiros ou empresas estrangeiras com representação no Brasil. Os valores eram claramente incompatíveis com as contas. Uma lista de 12 correntistas brasileiros que apresentavam movimentação suspeita levaram a identificação de cerca de 200 “laranjas” que depositavam na praça de Foz, geralmente pequenos comerciantes e funcionários públicos.

No rastro do dinheiro desviado

A “Operação Macuco”, como ficou conhecida a investigação das contas CC-5 envolvendo o Banestado e seu braço paraguaio Del Paraná em Foz do Iguaçu, estendeu-se por cinco anos. Sob a coordenação de Castilho, analisou operações realizadas no período que vai de 1996 a 1999. Ele e o perito Barbosa optaram por seguir o rastro do dinheiro desviado. Conforme aponta o laudo 870 da PF, grande parte do recurso desviado aportava na agência de Nova York.

As autoridades americanas autorizaram a quebra do sigilo bancário de praticamente todas as contas correntes da agência, permitindo a confirmação de vários nomes já apontados na “Operação Macuco”. Segundo Castilho, trata-se de uma oportunidade única de investigar os crimes financeiros cometidos no Brasil, e boa parte da documentação já foi levantada quando a equipe conseguiu avançar dentro do sistema financeiro americano. Os relatórios que se encontram na PF em Curitiba e em Brasília contém, segundo o delegado e o perito, grandes surpresas, com os passos detalhados de inúmeras operações: identificação dos beneficiados, donos e operadores dessas contas através de cheques, ordens de pagamento e até mesmo bilhetes e cartas trocadas com gerentes do Banestado, apesar da farta utilização de empresas off-shore com o claro intuito de manter essas pessoas no anonimato.

Castilho e Barbosa informaram que falta muito pouco para chegar à ponta final, que são os paraísos fiscais onde os recursos desaguaram. Como o trabalho está bastante adiantado, o seu arremate agora é simples. Ambos concordaram que a lavagem envolvendo quantias tão elevadas só foi possível graças a conivência de autoridades financeiras e fiscalizatórias

Destacaram um grande número de “fatos intrigantes”, o mapeamento de mais de oito mil depositantes e de mais de 140 mil registros de transações, além da participação de mais cinco bancos no esquema, que tinham conta na agência do Banestado em Nova York. Barbosa disse que mais de 90% do movimento da agência de Nova York se dava através de apenas 137 contas e que um doleiro, sozinho, chegou a movimentar US$ 800 milhões. Toda a documentação comprobatória obtida nos Estados Unidos foi apreendida e está contida nos inquéritos: “Tudo ficou nos computadores de Nova York, inclusive votos de boa-sorte”, comentou Barbosa, acrescentando que a PF tem sob seu poder inclusive fitas gravadas de ligações telefônicas envolvendo gerentes e diretores de mesas de câmbio das instituições financeiras que operavam no esquema. Segundo ele, alguns gerentes chegaram a fazer relatos de visitas a doleiros.

Exilados

Castilho e Barbosa sugeriram que a CPI estadual tente ouvir pessoas que denunciaram as operações ilícitas e hoje são obrigadas a viver fora do país porque estão sob ameaça de morte por parte do que chamaram de “quadrilha”. Entre essas pessoas estariam alguns paranaenses. Outra sugestão que fizeram à comissão estadual foi o exame do tempo transcorrido entre a prática dos atos ilícitos e a sua representação ao Ministério Público pelo Banco Central, que tinha condições de acompanhar diariamente e on-line essas transações. Revelaram que existem de 16 a 25 contas CC-5 que ainda não foram analisadas, e reafirmaram a importância da continuidade das investigações: “Temos provas irrefutáveis que chegarão ao Brasil prontas para se transformar em denúncia”, assegurou Castilho.

Por sugestão do deputado Pedro Ivo (PT), a bancada de seu partido vai estudar o envio de ofício ao presidente da República enfatizando a importância de assegurar recursos à continuidade das investigações. Ao fim da sessão ficou decidida uma reunião secreta da comissão com o delegado Castilho e o perito Barbosa para tratar da denúncia de formação de um novo esquema de lavagem de dinheiro passando pelo Paraná.

Delegado não foi informado

O delegado da Policia Federal José Francisco Castilho Neto disse aos jornalistas que não tinha sido formalmente comunicado sobre seu afastamento das investigações da lavagem de dinheiro no país. Lembrou que não preside o inquérito e está à disposição do procurador da República Luiz Francisco de Souza, que requisitou os seus trabalhos.

Segundo ele, a opinião pública já está ciente da importância das investigações e de que elas devem prosseguir: “Há uma extensa documentação à disposição nos Estados Unidos. O rastreamento internacional tem que começar imediatamente até para não facilitar a diluição da prova”, observou o delegado, lamentando que a investigação tenha sido interrompida num momento crucial. Disse que a força-tarefa não apura apenas o caso Banestado: “Vai muito além. Dá um mapeamento completo da corrupção no país”. E ajuntou que seu eventual afastamento não prejudica o prosseguimento das apurações: “Há uma equipe envolvida e ao par de tudo o que foi levantado até agora”.

Cunha discute indicações à CPI

Brasília

– O presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP), informou que vai conversar com os líderes sobre a indicação dos nomes que deverão integrar a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) criada para investigar a evasão de cerca de US$ 30 bilhões para o exterior por contas CC5 sobretudo pelo Banco do Estado do Paraná (Banestado). O prazo de 48 horas para instalação da CPI, previsto no regimento, já terminou e, oficialmente, quatro partidos (PSDB, PL, PSB e Prona) já indicaram nomes para integrar a comissão, além do PT, que já anunciou seus integrantes, mas não encaminhou ainda a lista oficial à Secretaria Geral da Mesa.

O presidente da Câmara tem a prerrogativa de indicar os nomes, caso os partidos não o façam em 48 h oras. Ontem, João Paulo indicou, por exemplo, os integrantes do PT na comissão especial que trata da reforma da Previdência, à revelia do líder do partido na casa, deputado Nelson Pellegrino (BA). João Paulo e alguns líderes partidários estão buscando uma saída para a crise aberta com o Palácio do Planalto depois que a Câmara criou a CPI do Banestado. O governo, que já tinha impedido a instalação de CPI semelhante no Senado, não quer o funcionamento da comissão, temendo atraso na tramitação das reformas.

Há entendimento, no governo, de que a CPI não interessa aos partidos porque as investigações poderão chegar a políticos e financiadores de campanha.

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