Pensar no Brasil

A municipalização dos prejuízos eleitorais do PT é obra que não prospera e, neste sentido, é assaz sintomática a fotografia do presidente Lula caminhando de cabeça baixa na Granja do Torto, logo após a consolidação dos resultados do segundo turno. Queira ou não, o veredito das urnas criou um complicador a mais no ato de governar em Brasília e, mais adiante, na pretensão explícita de reeleição presidencial, em 2006.

Aos comandados mais próximos, o presidente procurou dar o fato por encerrado, virando a página: a guerra acabou, é hora de pensar no País, sentenciou logo na segunda-feira. Como se ninguém estivesse pensando no País nesses últimos tempos, assim como, de fato, na guerra em que se transformou a eleição parecia que ninguém pensasse – o presidente inclusive – a não ser naquilo. A ordem encerra um desmentido, portanto, à tentativa de fazer como a raposa da anedota diante das uvas: quem perdeu onde o PT foi derrotado foi, sim, o governo federal, que apostou todas as fichas e ministros e muito mais na vitória tida como necessária à estratégia de poder dos atuais ocupantes do Planalto.

O eleitor, entretanto, falou mais alto. Mesmo onde os candidatos procuraram falar o mais alto que puderam. Que sirva a lição da santa alternância. E do equilíbrio que produz a humildade sempre útil aos governantes. É de se imaginar que o resultado das urnas tenha causado arrependimentos aqui e acolá. Aqui, por exemplo, onde o governador separou a sociedade em duas imaginárias bandas e pediu (e teve) julgamento de seu próprio governo; em São Paulo, onde a participação do presidente Lula em inauguração de obra pública lhe valeu a simbólica multa de R$ 50 mil por parte da Justiça Eleitoral. Como se vê, teve gente que falou demais e na hora errada. Nem tudo, como também se vê, foi obra da “municipalização dos prejuízos” ora pretendida. Os galos de briga – aqui tomados simbolicamente – do afiançado Duda Mendonça ainda haverão de incomodar. E muito.

De qualquer forma, e apesar de tudo, sobra um veio de razão no comando presidencial pela preocupação com as coisas do País – sua obrigação maior. Principalmente quando se imagina que algumas ações foram postergadas de propósito para evitar danos eleitorais ainda maiores, como o aumento da gasolina. Tem gente falando já em reajuste de vinte por cento nos derivados de petróleo – o que seria uma lástima para a economia e para o bolso da cidadania, já exaurido. O governo, que teme a inflação só de ouvir falar nela, não consegue controlar tarifas públicas reguladas pelo mercado ou por contratos realizados. No “day after” das eleições, o preço dos telefones fixos já subiu quatro por cento. Que fazer se, durante a campanha, os candidatos se engalfinharam em propostas de menor preço nas tarifas dos transportes coletivos?

O “arregaçar as mangas” tem a ver também com a reorganização da base de sustentação do governo. Como num enorme e confuso tabuleiro de xadrez, é obra que requer muita calma, paciência e conversa. No Congresso Nacional, entretanto, a guerra continua a despeito das recomendações presidenciais. Ali o embate é pela (re)eleição dos presidentes do Senado e da Câmara, jogo onde vale tudo e é travado a muitos quilômetros de distância do eleitor municipal, que lhe dá novo tom com o enfraquecimento de velhos caciques da política regional.

A cabeça baixa do presidente pode ter a ver também com isso, já que todas essas batalhas representam degraus importantes para a grande guerra de 2006, para a qual ele já se prepara sem esconder caprichos. O problema é que, para vencê-la, como da vez primeira – e o resultado das urnas municipais dizem claramente isso – não bastará esgrimar com a vontade política, o despertar da esperança, o apontar para um difuso e promissor futuro. É preciso realizar concretamente. Pelo menos dar partida ao espetáculo do crescimento. Por isso, pensar no País é a prioridade.

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