Pena de morte. O erro anunciado

Toda vez que a sociedade se depara com um crime de maior repercussão, principalmente se tiver requintes de crueldade, independente da história, invariavelmente, a pena de morte surge na palavra de um ou outro defensor dessa pena extrema.

É preciso ter uma certa cautela, porque a pena de morte é tema de apelo fácil à emoção. Quando a sociedade está comovida, quando a emoção social está de alguma forma manipulada ou estimulada, verificamos que a pena de morte ganha campo, adeptos, simpatizantes e defensores ferrenhos. Se fizéssemos um plebiscito para que o povo decidisse, se teríamos ou não, no futuro no Brasil, a pena de morte, diante do impacto da notícia de algum eventual crime bárbaro, certamente o resultado do plebiscito seria favorável à implantação da pena de morte.

É por isso que precisamos de serenidade para examinar esse tema e cautela para enfrentar os argumentos dos defensores da pena capital.

Para recortar o tema precisamos lembrar que foi a Constituição Federal, promulgada em 1988, que no seu inciso XLVII, artigo 5.º exatamente na alínea “a”, que estabeleceu que não haverá pena de morte, salvo em caso de guerra declarada, portanto, o legislador constitucional por meio da lei maior, – aquela da qual deve emanar os princípios, as diretrizes para toda legislação ordinária no país – , estabeleceu que a pena de morte não deve existir neste solo.

Estabeleço cinco argumentos que me levam a rejeitar a pena de morte no Brasil.

O primeiro deles é a dimensão da falibilidade humana, é a dimensão do erro judiciário, a nossa justiça não é a justiça perfeita, absoluta, divina, a nossa justiça é a justiça dos homens, é a justiça mundana, falível, como falível é o homem, o erro judiciário se apresenta diariamente em nossos tribunais e este é inevitável, enquanto tudo é feito pela mão do homem, daí porque, diante da possibilidade de erro num julgamento, não posso admitir uma pena que seja irreversível e a pena de morte assim é.

Como segundo argumento, não acredito na punição que esteja dissociada da sua progressão, em outras palavras é indispensável que tenhamos a progressividade da pena a que o indivíduo está sujeito e assim, ao cometer um crime, estará sujeito a uma pena, se forem dois crimes a pena se agravará e assim por diante. É a proporcionalidade entre o crime e sua punição.

O terceiro argumento é um argumento filosófico, pois é muito difícil sustentar que a morte atinja o bem mais importante do homem, dessa forma aquele que matar, terá também o seu bem mais importante atingido, sendo morto; fica difícil sustentar que o Estado com toda a sua isenção e ausência de paixão, possa aplicar a conduta ao infrator, exatamente porque esse infrator se conduziu daquela mesma forma. Não se pode matar, mas caso mate, o Estado então lhe matará.

O quarto argumento, é que em todos os países onde a pena de morte foi implementada, a criminalidade não regrediu, num determinado momento ela pode até ter oscilado, mas o resultado científico de verificação, em nada altera os índices de criminalidade.

Por último, conhecedor do povo brasileiro, de sua intensidade emocional, é que penso que se eventualmente no Brasil alguém fosse condenado à morte, as mesmas vozes que clamaram por essa morte, certamente se manifestarão pedindo clemência àquele condenado. A pena de morte não pode existir entre nós, ela não se coaduna com uma Constituição que tem como bem maior do homem, sua vida.

Não se pode pensar em equilíbrio do sistema, quando punimos o homicídio, quando rejeitamos o aborto, quando criminalizamos a eutanásia, ou seja, quando repugnamos qualquer atentado à vida e nesse mesmo diapasão admitimos que o Estado, na sua grandeza e soberania, possa atentar contra a vida de alguém a título de punição. A pena de morte seria um erro anunciado.

Luíz Flávio Borges D’Urso

é advogado criminalista, presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas – ABRAC, presidente da Academia Brasileira de Direito Criminal – ABDCRIM, conselheiro e diretor Cultural da OAB/SP, mestre e doutorando em Direito Penal pela USP e membro do Conselho Penitenciário Nacional e do Conselho Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça. (
lfdurso@ig.com.br )

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