Voluntária desenvolve grupo de teatro em escola

Das plantações de café para a fantasia do mundo teatral. A menina que queria ser atriz, numa época em que imperava o preconceito com a profissão, trilhou um longo caminho até realizar o sonho. Por decisão da mãe, casou-se aos 18 anos. Sem nunca ter pisado em uma sala de aula, fez teste de suficiência para entrar direto no ginásio, aos 28 anos, levando o que aprendeu como autodidata e das poucas aulas que recebeu de uma amiga.

Dez anos mais tarde, aos 38, Bárbara Mantuan estava formada em Ciências e Letras. O teatro ficou adormecido. O tempo passou e os filhos casaram. Mas ela não desistiu. Na última década, como hobby, começou a estudar teatro. Para retribuir seu amor à arte, iniciou, no ano passado, um trabalho voluntário de teatro no Colégio Estadual Moradias Monteiro Lobato, no bairro Tatuquara, em Curitiba, onde dá aulas de Geografia.

O trabalho ganhou força e se desenvolveu com o apoio da Secretaria Estadual da Educação, através da Coordenação de Atividades Complementares. Outros colaboradores também se juntaram ao projeto, como uma empresa de São Paulo, que patrocinou os figurinos e também de professores, pais e membros da comunidade. “Sempre digo a meus alunos que se eu venci, eles também podem”, diz Bárbara.

Atualmente, aos 58 anos, ela coordena o teatro da escola. Como seu braço direito, ela conta com o professor Luiz Eduardo Cordeiro, 46, que é diretor teatral do grupo. Bárbara faz os textos e Luiz Eduardo realiza a edição final. “Pensei em fazer esta atividade com os alunos porque vejo o adolescente muito perdido. São vítimas desta tecnologia desenfreada. Acham que não precisam do conhecimento ofertado pela escola porque encontram facilidades nas máquinas”, afirma ela.

Na Secretaria de Estado da Educação o apoio às chamadas Atividades Complementares é irrestrito. O secretário, Mauricio Requião, enfatiza que uma das metas da pasta é incentivar a formação de corais, grupos de teatro, fanfarras, equipes esportivas e também as atividades ligadas às ciências. “A escola é o ambiente propício ao desenvolvimento destas atividades, praticadas no contraturno e que são fundamentais para a cidadania”, explica.

Segundo ele, as artes favorecem o conhecimento com uma visão particular, específica e única do mundo em que vivemos. “O nosso país, o nosso povo é extraordinariamente rico em cultura e educar também é despertar o talento que existe nos nossos alunos, nas nossas escolas”, completa.

“É de interesse da Secretaria de Educação incentivar este tipo de trabalho. No ano que vem faremos um grande encontro com grupos teatrais das escolas de todo Estado, em Faxinal do Céu”, ressalta Carlos Augusto de Oliveira, Coordenador de Atividades Complementares da Secretaria.

Enredos

As peças têm sempre cunho educativo, abordando temas como preservação do ambiente, família, drogas e doenças sexualmente transmissíveis. “A intenção maior é passar uma mensagem pelo teatro, resgatar valores. Fazer um apelo para eles mesmos e para os demais que assistem às apresentações”, explica Cordeiro.

Atualmente o grupo de teatro conta com 35 alunos, que ensaiam quatro trabalhos diferentes, todas as quartas-feiras durante o horário de almoço. Os atores-mirins já realizaram apresentações dentro e fora da escola. Alguns trabalhos ainda estão em fase de ensaios.

“Nas apresentações externas estamos melhorando a forma como os outros enxergam nossa escola. A arte faz crescer o estigma de periferia do bairro Tatuquara, de região considerada violenta”, conta Cordeiro.

A diretora da escola, Ivone Maria Tagliani Chandoha, diz que é visível a melhora do comportamento dos alunos e dos benefícios que a educação pelo teatro traz aos demais. “Os alunos amam o que fazem. Este é uma forma de prevenir, tirar das ruas. Apenas por estarem na escola fora do horário de aula já demonstra o interesse deles”, comenta.

E os alunos concordam. “O teatro diverte, deixa a gente mais leve. Aprendemos a improvisar, inventar falas”, diz Diane Leniza Simão de Souza, 12. “A gente perde a vergonha, no bom sentido”, brinca Gregório Augusto Medeiros Lopes, 16. “Não posso dizer com palavras o que o teatro significa para mim. Eu vivo o teatro, me dedico a ele”, considera Suelen Janaina Ferreira Mariano, 14. “Passei a entender melhor a vida a partir do teatro”, afirma Mariana Jandira da Costa Ribas, 13.

Trabalho

O carro-chefe do teatro é o musical A Lagoa Vermelha, uma mistura dança e teatro, que trata de problemas relacionados ao meio ambiente. Também aproveitando o tema, aliado ao resgate de valores familiares, a peça O Sabor da Bebida apresenta um velho que procurou por toda sua vida encontrar o sabor descrito pelo pai antes de morrer, que estava em uma fonte de água.

“É um texto sobre preservação das águas. Acho que pelo teatro as pessoas dão mais atenção ao que está sendo dito”, acredita Fernanda Rafaeli Soares Pereira, 16, que atua como fantasma na peça.

O aluno Alan Gomes de Oliveira, 13, está no projeto há três meses e participa da peça Cheiro de Leite que aborda a questão das drogas na escola. “Não sabia que a pessoa usuária de drogas se afastava tanto assim da família. Acho que o teatro é uma forma de aprendizado”, comenta.

Gislaine Belmiro de Lima, 12, faz o papel de uma viúva em Juntando os Cacos, peça que fala de um pai de família vítima do vírus da Aids. “Fica a mensagem para a gente se prevenir, se preservar. Ficar atento às coisas do mundo. Com o teatro aprendi muitas coisas sobre a vida”, ressalta.

Mas os projetos de Barbara não param por aí. A professora pretende se formar em educação artística e estender a atividade a todos os alunos do conjunto Moradias Monteiro Lobato. Além disso, no próximo ano, a intenção é levar o cinema aos estudantes com a execução de um curta-metragem. Ela tem experiência na atividade, pois já produziu três curtas.

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