Vidas interrompidas pela violência

A expectativa de vida no Brasil é de 71,3 anos, para ambos os sexos, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2003. O índice poderia ser dois ou três anos maior se não fosse a interferência da trágica realidade de mortes prematuras de jovens por causas externas. A partir da década de 1980, as mortes associadas à violência passaram a se destacar negativamente nas estatísticas de mortalidade no País.

Esse é apenas um dos impactos que os assassinatos de crianças e adolescentes causam na sociedade brasileira. Dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), apontam que os homicídios de crianças e adolescentes aumentaram drasticamente nas últimas duas décadas. Dezesseis pessoas com idade entre 0 e 18 anos são assassinadas por dia no Brasil. As mortes violentas são a principal causa de óbitos de brasileiros nesta faixa etária.

A Análise da Violência contra a Criança e o Adolescente, segundo o Ciclo de vida no Brasil, apresentada pelo Unicef, no último mês de agosto, demonstra dados mais do que alarmantes. Os homicídios de crianças e adolescentes atingem particularmente os homens negros ou pardos. Dentre as mortes por causas externas no sexo masculino, os homicídios representam 41,8% dos casos, com a maior ocorrência entre os 15 e 24 anos. Nessa faixa etária são 95,5 assassinatos masculinos por 100 mil habitantes, sendo 71,7 ocasionados por armas de fogo. Entre as mulheres, o índice é bem menor em todas as faixas etárias. A taxa de homicídios do sexo feminino entre 15 e 24 anos é de 6,9 em 100 mil habitantes, com 4,1 causados por armas de fogo.

De acordo com o levantamento, em 2000 aconteceram 5.921 homicídios de crianças e adolescentes entre 0 e 18 anos no País, o que representa uma taxa de mortalidade de 9,15 por 100 mil habitantes somente nesta faixa etária. O número de assassinatos de homens entre 10 e 19 anos foi de 39 em cada 100 mil habitantes. Entre 15 e 19 anos, o índice é de 74 para 100 mil habitantes.

No Paraná, a taxa de mortalidade em homicídios em jovens masculinos entre 15 e 24 anos é de 63 por 100 mil habitantes. A taxa para as adolescentes mulheres é de 5 em 100 mil habitantes. Especificamente entre 15 e 18 anos, o Estado teve 179 casos em 2000, o que significa uma taxa de mortalidade de 23,3 para cada 100 mil habitantes da faixa etária correspondente.

Programas do governo devem ser revistos

Helena Oliveira, oficial de projetos do Unicef, defende que os programas de prevenção à violência, tanto governamentais quanto da sociedade civil, precisam ser revistos. Eles vêem a criança como sujeito da ação e como potencial agressor do futuro. ?Por essas linhas, os projetos acabam não dando certo. A maioria atinge adolescentes entre 15 e 18 anos, mas deveria abranger as faixas etárias anteriores, no momento que começa a ingressar neste cenário. É preciso uma releitura dos objetivos dos projetos?, revela.

Helena acredita que o combate contra os tráficos de drogas e de armas pode ajudar a diminuir os índices alarmantes de homicídios de crianças e adolescentes. Há dados que indicam que esses assassinatos se tornam mais evidentes em países em desenvolvimento, que são rotas para o tráfico.

O coordenador do Centro de Estudos de Segurança Pública e Direitos Humanos da UFPR, Pedro Bodê, aposta no maior comprometimento em implantar políticas públicas como forma de reverter os terríveis índices de exclusão. Quanto maior a desigualdade, maior o número de vítimas. Os jovens necessitam de educação, saúde e inclusão social, o que significa trabalhar também suas famílias. Outra medida importante é a mudança de foco das delegacias especializadas na infância e adolescência. Ao invés de investigar crimes contra crianças e jovens, as delegacias punem o adolescente, segundo Bodê. (JC)

Sociedade já tem opinião formada sobre o assunto

A oficial de projetos do Unicef no Brasil, Helena Oliveira, afirma que há uma crescente visão de que o adolescente é causador da violência urbana, principalmente os negros, pobres e que moram em favelas. O quadro é favorecido pela enorme desigualdade social existente no País. A constatação disso é o número de extermínios e execuções de jovens, além do internamento precoce em centros de recuperação para jovens infratores, como a Febem, por delitos que não precisavam desta medida. ?Parte-se do pressuposto que, se já começou, vai continuar fazendo. Poderiam ser medidas mais alternativas ou internações mais leves?, comenta.

O professor e coordenador do Centro de Estudos de Segurança Pública e Direitos Humanos da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Pedro Bodê, comenta que a sociedade pensa que a violência é exercida pelos jovens, enxergando-os como ameaças. ?O que está acontecendo é algo tão terrível que há um impacto de dois anos na expectativa de vida populacional. A sociedade enxerga o adolescente como ameaça, mas ele é a vítima?, conclui. A impunidade é outro fator que alimenta a onda de violência. ?A falta de esclarecimento desses crimes é reflexo de como a sociedade entende isso?, opina Bodê.

O secretário de Estado do Trabalho, Emprego e Promoção Social, padre Roque Zimmermann, diz que a sociedade ?dá graças a Deus ou bate palma? quando um adolescente é morto. ?Falam que é um bandido a menos. Isso é uma tristeza. Os únicos que choram são alguns familiares e amigos. A situação está banalizada. A morte destes adolescentes é desejada e proposta?, conta.

Ele admite que não há estatísticas profundas sobre o assunto no Estado, mas um estudo já foi solicitado às universidades e outros órgãos do governo. Segundo Zimmermann, é possível constatar a grave situação dos homicídios de crianças e adolescentes pelas notícias dos jornais. Ele cita o exemplo de Foz do Iguaçu, onde há entre um e três homicídios de jovens noticiados por semana.

Conforme o professor Bodê, o envolvimento com drogas e outros crimes ocorre em todas as classes sociais. ?Mas os que morrem são os pobres. Por que o mesmo comportamento não acontece na classe média? A situação está tão abandonada que tanto faz matá-los?, enfatiza Bodê, esclarecendo que o principal motivo de morte entre jovens da classe média é o acidente de trânsito. Helena Oliveira destaca que a sociedade precisa acabar com a equívoca associação entre pobreza e violência. ?Por qualquer motivo pode se entrar para o crime. Se fosse assim, por que as crianças de classe média se envolvem com o tráfico de drogas? Entram pela diversão, pela euforia?, questiona. (JC)

Foz é uma das campeãs em homicídio no PR

Uma das cidades paranaenses campeãs de homicídios de adolescentes é Foz do Iguaçu, na região oeste do Estado, cujo problema é agravado pela fronteira com a Argentina e o Paraguai. Neste ano, 25 adolescentes até 18 anos foram assassinados na cidade. Entre os jovens de 18 a 21 anos, foram 49 homicídios registrados no mesmo período.

O promotor de Justiça da 3.ª Vara Criminal de Foz, Marcelo Camargo de Almeida, que também atuou na Vara da Infância e Juventude da cidade, explica que os adolescentes assassinados têm, principalmente, 16 e 17 anos. A maioria das vítimas usa entorpecentes, possui baixa escolaridade, não tem qualquer tipo de qualificação profissional para entrar no mercado de trabalho e comete atos infracionais, como roubo, furto e tráfico.

Na maior parte dos casos, os adolescentes são comprometidos com criminosos. Acabam morrendo por vingança, queima de arquivo ou acerto de contas. ?Aqueles que estão no Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente (Ciad), quando saem, encontram uma família desestruturada. Infelizmente, a maior parte volta para o crime?, afirma Almeida.

Para o promotor, Foz do Iguaçu tem uma peculiaridade em relação às outras cidades do Estado: a fronteira com Argentina e Paraguai. Muitos adolescentes atuam no tráfico de drogas entre os países como ?mulas?, ou seja, levando a droga de um lado para o outro. (JC)

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