Vendedor de rifas dá exemplo de boa vontade

Bastaram cinco minutos dentro da casa de Adão Rodrigues Vieira, mais conhecido como Adão da Ação Social, para ouvir o telefone tocar pela primeira vez. Eram cerca de 15h30 de ontem e do outro lado da linha uma pessoa pedia carona para ir ao médico. É assim a rotina do vendedor de rifas. Desde 2003, Adão, que aos 19 anos perdeu parte do braço direito, vende rifas das 11h às 18h e passa a madrugada levando pessoas doentes de graça para hospitais e unidades de saúde. E, de vez em quando, leva as pessoas de dia também.

?Quando eu perdi a mão, fiquei desesperado e muita gente me ajudou. Daí veio a vontade de querer ajudar as pessoas. E há oito anos eu fiquei doente de madrugada e não conseguia dirigir. Eu morava sozinho e não tinha quem chamar para me levar ao médico. Eu tomei um banho gelado, rezei bastante e a dor passou. No dia seguinte mandei imprimir mil cartões oferecendo serviço de carona de graça às pessoas que precisam ir ao médico de madrugada.? É assim que o rifeiro resume o início do seu trabalho social.

Adão, que dirige um Fiat Prêmio, nunca cobrou nada das pessoas pelo serviço. ?Quem chama é porque realmente não tem outro recurso. Eu levo muita mulher grávida para ter o filho e crianças que quebraram um braço ou uma perna brincando. Daí eu espero a pessoa ser atendida para levar de volta para casa. E se passa das 4h, horário que os ônibus voltam a passar normalmente, eu dou o dinheiro da passagem?, contou. ?Eu não faço isso só para os outros. Eu fico feliz em ver a pessoa melhor. E tem que gostar, porque não é fácil sair da cama no meio do sono ou no inverno, com geada lá fora?, completou.

Como vendedor de rifas, Adão recebe cerca de R$ 1,3 mil por mês. E cerca de R$ 900 são usados para pagar a gasolina. O que ajuda no sustento da casa são os R$ 800 que Anete Mattei, mulher de Adão, recebe como cabeleireira. ?A minha sorte é que minha mulher me apóia. Ela foi uma bênção na minha vida. Tem dias que ela não dorme?, contou. Uma oficina mecânica e uma loja de autopeças ajudam o vendedor, facilitando o pagamento ou adiando a cobrança. ?Ano passado, o carro quebrou e eu tive que gastar R$ 3,5 mil. No final do ano ainda não tinha terminado de pagar e por isso nem deu para passear no Natal. Mas, mesmo assim, o que vale é ajudar?, garantiu.

O vendedor de rifas mora no bairro Capão Raso e atende principalmente a região sul de Curitiba, Fazenda Rio Grande e Araucária, de onde recebe mais chamados. ?Mas eu vou para qualquer lugar em Curitiba, se a pessoa precisar?, afirmou.

Adão garantiu que não recebe ajuda de ninguém para realizar seu trabalho. Ele afirmou que já foi procurado por políticos em época de campanha eleitoral, mas se recusou a ajudar porque a única vez que fez isso não recebeu nada em troca e nem viu a população receber quando o candidato foi eleito vereador. ?Eu nunca fui pedir nada a ninguém. Mas ajuda seria bem-vinda. Não por mim, mas pelas pessoas que eu levo e trago.?

Rifeiro nunca sofreu violência em trabalho voluntário

Apesar de andar de madrugada, Adão da Ação Social garantiu que nunca foi assaltado ou sofreu qualquer tipo de violência. ?Eu entro nas invasões e em locais muito perigosos, mas as pessoas me respeitam. Às vezes mexem comigo, mas eu já chego dizendo quem eu sou, dou meu cartão e ofereço meus serviços. Isso ajuda a quebrar o gelo?, contou.

Os trotes também não são problema no trabalho voluntário do vendedor. ?Só uma vez eu fui no local e a pessoa não estava.? Adão contou que como faz o trabalho há anos, já consegue identificar pelo telefone quando a pessoa precisa de fato dos seus serviços. ?Minha mulher também já sabe identificar. Então, quando eu estou na rua ela sabe se tem que me avisar?, explicou. Adão deixa seu cartão com os atendentes das unidades de saúde 24 horas, para que eles possam ajudar caso alguém não tenha como voltar para casa.

Quando o reifeiro é chamado para atender um caso muito grave, como problemas de coração, por exemplo, vai até o local, mas prefere chamar o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). ?Eu não posso me arriscar a levar e a pessoa morrer no meu carro. E o pessoal do Samu já me conhece, eu explico certinho o que a pessoa tem e eles prestam atendimento. Se a pessoa ou algum familiar precisa que busque, depois eu vou?, afirmou.

O vendedor, que anda de dia pelas ruas com dois bichos de pelúcia e uma boneca pendurados no corpo, para fazer propaganda dos prêmios das suas rifas, tem 59 anos, seis filhos adultos de um primeiro casamento que ainda precisa ajudar de vez em quando, e espera os 65 anos para se aposentar por idade, já que nunca contribuiu para a previdência social.

Adão perdeu parte do braço em acidente de trabalho, em uma lavoura. A sua carteira de motorista o autoriza a dirigir carro automático ou adaptado. ?Mas é muito caro. E eu já aprendi a dirigir assim?, finalizou.

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