Um plano para acabar com a perda de alimentos

Enquanto milhões de pessoas passam fome no Brasil, toneladas de alimentos são jogadas diariamente no lixo. Durante os processos de embalagem, transporte e armazenamento – sem contar o que é atirado fora propositalmente e as sobras de depósitos e restaurantes – o País desperdiça 26 milhões de toneladas de alimentos por ano, segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação.

Dos 55 milhões de toneladas de frutas, legumes e verduras produzidos anualmente, cerca de 13 milhões (23%) não chegam à mesa dos brasileiros. Dados da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais indicam que o desperdício de alimentos no Brasil é estimado em 1,4% do PIB (Produto Interno Bruto) nacional, o que eqüivale a US$ 1 bilhão por mês. As toneladas perdidas seriam suficientes para alimentar mensalmente 35 milhões de pessoas.

Ceasa

As Centrais de Abastecimento do Paraná (Ceasa) são conhecidas pelo grande volume de comercialização de frutas, legumes e verduras. No último ano, as cinco unidades da Ceasa no Paraná – localizadas em Curitiba, Maringá, Londrina, Cascavel e Foz do Iguaçu – comercializaram um volume total de 1.095.262 toneladas de produtos. Diante de uma quantidade tão grande, o desperdício se torna quase inevitável.

Porém, para evitar que alimentos acabem na lata do lixo, a Ceasa lançou no início do ano passado o projeto Ceasa Amiga, que visa a doação de produtos que não têm mais valor comercial, mas que estão em bom estado de consumo. “O mercado não aceita produtos que estão com um amassadinho ou um pouco batidos. Entretanto, isso não quer dizer que esses alimentos não possam ser consumidos”, explica o gerente do Banco de Alimentos da Ceasa de Curitiba, Gilmar Pavelski. “As frutas, legumes e verduras que não estão em condições de serem vendidos passam por um processo de seleção e são doados a instituições de caridade.”

Só no mês de janeiro, 132.430 toneladas de alimentos foram para seleção na Ceasa da capital. Deste total, 105.320 toneladas foram doadas a 65 instituições de caridade de Curitiba e Região Metropolitana. Atualmente, 102 entidades estão cadastradas para receber os alimentos. Entre elas, o Centro Social de Apoio Polaca (Casp), que funciona há oito anos no município de Colombo e atende 1,2 mil pessoas carentes, entre crianças e adultos. “Peço doações na Ceasa há doze anos. Desde o ano passado, com a criação da Ceasa Amiga, as coisas ficaram mais fáceis, pois os produtores e boxistas estão mais conscientes sobre a importância de dar um destino correto aos alimentos que não podem ser vendidos”, diz a presidente do Casp, Rose dos Santos. “Semanalmente, eu tenho pego entre 1,5 tonelada e duas toneladas de produtos. Só assim consigo alimentar todas as pessoas que a instituição atende.”

Famílias também jogam fora

Não são apenas em áreas agrícolas, feiras, supermercados e restaurantes que o desperdício acontece. Dentro de casa, muita coisa também é jogada fora. Geralmente por falta de informação, as donas de casa não aproveitam bem o potencial dos alimentos, que em grande parte acabam na lata de lixo.

“Atualmente, há uma preocupação muito grande com a segurança alimentar. A alimentação deve ser tanto qualitativamente quanto quantitativamente adequada”, comenta a nutricionista Simone Stegh Camati. “Mesmo com tanta gente passando fome, muitos alimentos que poderiam ser aproveitados acabam sendo jogados fora.” Segundo Simone, no Brasil a maioria das pessoas não tem o costume de aproveitar talos, folhas e cascas na alimentação diária. Apesar disso, os componentes de algumas frutas, verduras e hortaliças que geralmente vão para o lixo são ricos em vitaminas e nutrientes, importantíssimos à saúde do ser humano.

Talos de couve e hortaliças do mesmo gênero, por exemplo, podem ser bem lavados, picados e aproveitados em sopas e refogados. Já as folhas da batata- doce podem ser transformadas em saladas ou também aproveitadas em sopas. “Outra coisa que pode ser aproveitada é a casca do ovo caipira. Ela pode ser transformada em pó e, junto com pó de folha de urtiga, ser acrescentada nos alimentos. É uma rica fonte de cálcio”, comenta Simone.

No que diz respeito às frutas, o maior erro cometido pelas pessoas é jogar fora a casca da banana, que é rica em fibras e contribui para o bom funcionamento intestinal. O produto, se lavado bem, pode ser picado e acrescentado no feijão e em sopas. Outras frutas, como a melancia, o abacaxi e a laranja, podem ter as cascas fervidas e, após a adição de açúcar, transformadas em doces caseiros. “Como a casca geralmente é a parte das frutas que mais apresenta resíduos de agrotóxicos, o melhor é dar preferência às cascas de produtos orgânicos”, afirma.

As sobras do almoço ou do jantar também podem ser aproveitadas.

Conscientizando produtores

Para que os produtos sem valor comercial começassem a ter um destino correto, um extenso trabalho de conscientização foi iniciado com os produtores e boxistas das unidades da Ceasa do Paraná. “Passamos a ter conversas diárias com os produtores e boxistas, explicando-lhes a importância de não jogar fora alimentos ainda em condições de consumo”, lembra o assistente social e responsável pelos trabalhos de conscientização, Ivanor Clayton. “Todos aceitaram bem a idéia e hoje estão guardando as frutas, verduras e legumes que não podem ser vendidos.”

Boxistas e produtores

Os boxistas e produtores que aderiram à idéia de combater o desperdício parecem satisfeitos com suas ações. “Separo todos os produtos que não posso vender, empilho e deixo para que o pessoal da Ceasa leve aos responsáveis pelas instituições de caridade”, conta o boxista Célio Brandt, que há 5 anos comercializa frutas. “Fazendo isso, tenho a sensação de estar ajudando as pessoas e tenho a certeza de que meus produtos estão tendo um destino correto.”

O que não é selecionado para ser aproveitado pelas instituições de caridade, mas que ainda pode ser consumido, é utilizado na cozinha da Ceasa, onde são realizados cursos e palestras sobre reaproveitamento de alimentos.

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