Sociedade se organiza para luta contra entorpecentes

Luís vendeu tudo que tinha, roubou a própria mãe, assaltou. Precisava de dinheiro para comprar drogas e não tinha mais qualquer controle sobre isso. Durante todo tempo que pôde, escondeu o problema da família, mas a farsa ficou impossível de ser sustentada após três prisões decorrentes de furtos e roubos. Desesperada, a mãe de Luís não sabia como livrá-lo do problema. Levou-o até uma igreja evangélica para que aceitasse Jesus Cristo e, enfim, abandonasse o vício. Luís seguiu todo o ritual: subiu no púlpito e disse que aceitava o Salvador, mas, no caminho de volta para casa, enquanto a mãe dirigia, ele roubou a carteira dela.

Nesse estágio, aos 19 anos, Luís percebeu que aquelas batidinhas e aperitivos que começou a beber aos nove anos na casa da madrinha tinham causado um problema totalmente fora de seu controle. "Comecei com o álcool, passei para maconha e depois para cocaína e crack. Precisava de ajuda para parar", conta. Depois de uma internação e quatro anos sem usar nada, Luís teve uma recaída. No entanto, com a ajuda dos Narcóticos Anônimos (NA), conseguiu superar mais uma vez o vício e há um ano e quatro meses trabalha como um servidor de confiança da irmandade, na formação do público.

Hoje, no Dia Mundial de Combate às Drogas, a sociedade organizada e o governo procuram sinalizar para conseguir sensibilizar e libertar cada vez mais pessoas da escravidão causada pelo uso contínuo e freqüente de entorpecentes.

Ainda são muito restritos os estudos e levantamentos oficiais para saber a abrangência do uso de drogas no País. No fim de maio, a Secretaria Nacional Antidrogas (Senad) e o Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid) divulgaram os resultados do V Levantamento Nacional sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas entre Estudantes do Ensino Fundamental e Médio da Rede Pública de Ensino nas 27 capitais brasileiras. Foram mais de 48 mil entrevistas com estudantes e o que se percebeu é que o álcool continua sendo a droga mais utilizada, apesar de ter havido queda em relação ao mapeamento realizado em 1997.

De acordo com José Carlos Fernandes Gauduroz, pesquisador do Cebrid e coordenador da pesquisa, o levantamento é útil para traçar programas de prevenção. No entanto, Gauduroz enfatiza a necessidade de serem feitos mais estudos com diferentes grupos para saber a real abrangência das drogas no país.

"Acreditamos que o uso do álcool mostra-se tão acentuado porque, além de ser uma droga lícita, as pessoas são estimuladas o tempo todo a consumi-la", afirma. E o jovem é especialmente atingido pela propaganda forte.

Os dados da pesquisa mostram ainda que, no mesmo período analisado, houve queda acentuada no uso de tabaco. Gauduroz acredita que isso se deve à restrição da propaganda e por isso a briga agora do Cebrid e da Senad é para que a restrição seja estendida para a propaganda de bebidas.

Iniciativa

Começou a vigorar no início de maio uma lei estadual de autoria do deputado Natálio Stica que proíbe a cobrança de consumação mínima em bares, restaurantes e casas noturnas. A lei tem gerado polêmica e atraiu certa antipatia porque os bares estão transferindo o valor da consumação para a entrada.

Segundo Stica, desde 1997 ele briga para aprovar a lei com o objetivo de evitar o consumo de bebidas alcoólicas entre jovens. "Com essa venda casada o jovem se vê quase obrigado a consumir o valor que pagou de adianto. E isso muitas vezes é o primeiro empurrão para aqueles que não bebem começarem a usar álcool", afirma.

Noad orienta dependentes químicos

Há cerca de dois anos, a Vara de Execução de Penas Alternativas de Curitiba percebeu que os réus dependentes de drogas tinham muita dificuldade em cumprir suas punições e a dependência química muitas vezes os colocava de volta no mundo do crime. A promotora Maria Espéria Costa e Moura afirma que a reincidência era muito mais do que um problema de Justiça: tratava-se de falta de estrutura mental e de saúde.

Por isso foi criado o Núcleo de Orientação e Atendimento a Dependentes Químicos (Noad). A promotora explica que só participam do programa aqueles que querem tratamento. "Não é compulsório nem vinculado à pena imposta. O juiz apresenta a possibilidade de tratamento e se o réu se interessar, ele cumpre a pena simultaneamente", explica.

O Noad presta atendimento psicológico, estritamente ambulatorial. Nos casos mais graves, quando há necessidade de internamento, o juiz suspende cautelarmente a pena até o réu conseguir se desintoxicar e depois voltar e pagar o que deve à justiça.

A faixa etária dos atendidos no núcleo vai dos 18 aos 35 anos. Em 2004, foram prestados 1.003 atendimentos. Em 2005, até agora, foram 251. Como a adesão ao programa é voluntária, Maria Espéria disse que é quase impossível precisar o motivo na queda de atendimentos.

No entanto, o tipo de droga usada pela maioria dos atendidos tem se tornado cada vez mais pesada. Segundo a psicóloga e coordenadora do Noad, Cléia Oliveira Cunha, até o ano passado, era mais comum o núcleo receber viciados em álcool, maconha e cocaína. "Este ano, é impressionante o aumento de usuários de crack", disse.

Maria Espéria afirma que o crescimento no uso do crack está diretamente ligado ao aumento de crimes contra o patrimônio – furto e roubo. "O crack é uma droga mais barata e as pessoas conseguem trocando por qualquer produto. Por isso roubam e assaltam mais", afirma. Apesar disso, os resultados atingidos pelo programa tem sido positivos. (SR)

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