Requião critica prazo de quatro anos para identificar transgênicos

O governador Roberto Requião criticou ontem o governo federal por conceder um prazo de quatro anos para identificação de carregamentos contendo Organismos Vivos Modificados (OVMs), os transgênicos. Na abertura da reunião semanal da Escola de Governo, Requião disse que ?nesses próximos quatro anos vamos comer o que não sabemos, importar e exportar aquilo que não temos conhecimento do conteúdo. Eu nunca vi tanta firmeza assim em um governo. É duro, é triste, mas tem sido assim no Brasil?.

Requião lembrou que o Paraná abriu a 3.ª Reunião das Partes do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança (MOP3) com um discurso firme em defesa da identificação dos produtos geneticamente modificados. ?Até ontem, nosso bravo governo federal estava propondo que se colocasse como identificação ?pode conter? produtos geneticamente modificados. Logo depois, seria possível acontecer no Brasil vender carnes enlatadas nos supermercados com a inscrição ?pode conter carne estragada?. Da mesma forma, os partidos políticos poderiam escrever ?pode conter corrupção ou mensalão??, ironizou.

O governador disse ainda à ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, que se retirou da abertura da MOP3 decidida a modificar a posição do governo brasileiro, ?que era uma posição a favor das multinacionais e contra a garantia dos consumidores?.

De acordo com a mensagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, divulgada na tarde de segunda-feira, ficou estabelecida uma fase de transição de quatro anos para que se implemente o sistema de preservação da identidade na produção de transgênicos destinados a movimentos transfronteiros. Nesse período, será usada a expressão ?pode conter?, seguida da lista de todos os eventos de transformação genética aprovados no país exportador.

México

Mas a posição brasileira de rotular os produtos exportados com a expressão ?contém? OVMs pode não ter o efeito esperado. Dos 131 países signatários, apenas o Brasil e a Nova Zelândia haviam saído do MOP2, ocorrida no Canadá, sem concordar com a rotulagem. Agora que o País firmou posição, o México não está deixando clara a sua postura. O representante daquele país, Marco Meraz, disse que eles estão defendendo a expressão ?pode conter?, mas a delegação tem até três dias para decidir. ?Não existe uma posição rígida sobre o assunto?, disse. Para Marco, o Biosafety Clearing-House (BCH), banco de dados que identifica os OVMs e facilita a troca de informações entre os países, já seria o suficiente. Segundo Marco, outros países partilham da mesma posição.

O representante do Canadá -país que não é signatário, mas é um dos quatro maiores exportadores de grãos do mundo -, Moeser Hugh, disse ontem que seu país tem uma posição diferente da do Brasil e que o Canadá não gostaria de negociar a possibilidade de rotular as suas exportações com a palavra ?contém? OVMs. Ele explica que, devido o volume de produção, a segregação de toda a cadeia produtiva teria um custo muito alto. Além disso, existem diferenças entre os próprios produtos transgênicos e isso também teria que estar especificado. Para Moeser, seria possível discutir a rotulagem de produtos maiores como o mamão, por exemplo, já que o controle seria mais fácil.

O representante avalia ainda que a rotulagem vai encarecer os produtos no mercado internacional, afetando todos os países da mesma maneira. Ele questiona se a expressão ?contém? realmente vai trazer benefícios para o meio ambiente. ?Ou será só uma forma de documentar e gerar custos?, comenta.

Ministra Marina Silva exalta vitória do ?contém?

Nájia Furlan

O Brasil sai do impasse que mantinha desde a segunda reunião das partes MOP2, em Montreal, para encarar a terceira reunião (MOP3), em Curitiba, com uma proposta mais clara e objetiva. De um ?pode conter transgênicos?, a posição do governo brasileiro passou a ?contém?, claro e especificado na identificação de produtos geneticamente modificados. Ontem, na abertura do Fórum Global da Sociedade Civil, evento paralelo ao MOP3, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, afirmou que a decisão não foi dela, mas sim do País e do presidente Lula.

?Essa é uma decisão de governo. O Brasil está defendendo a proposta de contém. Mas o prazo de quatro anos não significa que deverá esperar todo esse tempo para começar a fazer a identificação, mas já ir criando a estrutura necessária para segregação, identificação e rastreabilidade (dos produtos com Organismos Vivos Modificados)?, explica a ministra.

Segundo ela, essa é uma grande conquista da sociedade brasileira, que somente foi aprovada agora por conta das etapas pelas quais teve de passar. ?O governo ainda não tinha uma postura. A questão estava sendo discutida em várias instâncias até chegar ao presidente Lula, que definiu por sua sensibilidade em ser presidente de um país megadiversificado?, afirma Marina Silva. A decisão foi anunciada na segunda-feira, depois de uma reunião, em Brasília, entre o presidente Lula e os ministros Dilma Rousseff, da Casa Civil, Roberto Rodrigues, da Agricultura, e Marina.

Ainda de acordo com a ministra do Meio Ambiente, agora o País precisa continuar avançando na discussão sobre biossegurança. ?Essa é a proposta que o Brasil encara e vai à negociação com os demais países. O Brasil está trabalhando agora para viabilizar junto às partes a identificação clara. Durante a MOP3, a nossa delegação estará fazendo um processo negocial. Tenho certeza que os demais países (132) estarão construindo também essa proposta?, diz.

Estrutura

Marina Silva ainda comentou que o prazo de quatro anos é necessário para o Brasil se preparar. ?O período de transição é necessário porque o País não tem estrutura logística para fazer essa segregação?, afirma a ministra. Ela diz, também, que nenhum país membro sairá perdendo nas exportações de produtos transgênicos, porque até os países que não fazem parte do protocolo, como os Estados Unidos e a Argentina, ao exportar para os países membros, deverão trazer a identificação do ?contém?.

A ministra considera que, com essa postura definida, ?o Brasil está evoluindo para ter um modelo de coexistência entre produtos transgênicos e não-transgênicos?.

Opiniões diversas sobre decisão

Joyce Carvalho

A decisão do governo brasileiro de colocar a expressão ?contém? na identificação das cargas com Organismos Vivos Modificados (OVMs) e de estabelecer um período de transição de quatro anos está sendo muito comentada por organizações não-governamentais, movimentos sociais e autoridades que participam da 3.ª Reunião das Partes do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança (MOP3), em Curitiba.

O diretor de campanhas do Greenpeace, Marcelo Furtado, entende que a posição vale imediatamente para as commodities. Para ele, a decisão do governo brasileiro pode ser considerada uma longa novela. ?Divulgava uma posição lá fora (favorável ao ?pode conter?) e internamente a discussão era outra. No final, vimos que o governo brasileiro se tornou mais coerente?, opina. No entanto, Furtado diz que um período de transição de quatro anos é extremamente longo e desnecessário.

A presidente da Associação Nacional de Biossegurança (Anbio), Leila Oda, acredita que a discussão em torno do ?contém? ou ?oode conter? é totalmente inócua no ponto de vista da biossegurança. ?O que é importante para a gente é considerar os critérios de avaliação de riscos desses produtos, que antecede a importação e exportação?, avalia.

Leila explica que o sistema de commodities não permite a preservação de identidade dos grãos e, se for preciso diferenciá-lo, a produção deverá possuir um sistema à parte. Isso torna todo o processo mais caro. ?O Brasil como exportador de commodities precisará ter tecnologia para competir com o preço lá fora. Toda essa discussão é econômica, e não de biossegurança?.

O integrante da delegação brasileira no MOP3 e gerente de recursos genéticos do Ministério do Meio Ambiente (MMA), Rubens Nodari, explica que a decisão do governo brasileiro visa o futuro, quando será priorizada a alimentação de qualidade. Ele revela que o ministério queria um prazo de transição de dois anos, mas cedeu ao argumento de outros órgãos de que não seria tempo suficiente. O período foi estabelecido porque grande parte do sistema não está preparado para a segregação. ?A posição significa que vamos ter um controle maior da produção, tanto de grãos OGMs quanto não-OGMs?, conta. 

Voltar ao topo