Programa social valoriza a importância da família

A imagem de grandes orfanatos repletos de crianças esperando para voltar para a casa, ou para ser adotada, vem deixando de ser uma realidade. Pelo menos em algumas cidades brasileiras, que estão implementando programas de famílias substitutas ou guarda subsidiada. A alternativa, que está na lei, permite que a criança ou adolescente seja acolhida por uma família da comunidade, e com ela passe a conviver igualmente como qualquer outro membro da casa.

O Estatuto da Criança e Adolescente diz no seu artigo 19 que "toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes". Em Araucária, na Região Metropolitana de Curitiba, essa nova forma de abrigamento vem sendo adotada há doze anos, em parceria com o Poder Judiciário, Prefeitura e Promotoria da Infância e Juventude do Paraná. Atualmente quinze famílias participam do programa, atendendo cerca de 100 menores.

Muito além de dar abrigo, afirma a assistente social do Fórum de Araucária, Elaine Glasmewer, "esse programa valoriza a importância da família, e visa amenizar a dor da criança que foi afastada da família biológica." Ela ressalta que a iniciativa não tem o intuito de fazer caridade, e sim, adotar uma medida de proteção quando essa criança se encontra em uma situação de risco grave – exposta a violência física, psicológica ou sexual. A proposta é que, enquanto ela fique na nova casa, tenha atendida suas necessidades físicas, intelectuais, sociais e espirituais.

Vocação

A seleção dos participantes é bastante criteriosa. Uma das principais condições para integrar o programa é que sejam famílias funcionais, com pai e mãe, e que tenham a vontade de integrar nesse meio mais um membro tido como familiar. "Geralmente são pais que já criaram seus filhos, ou que os têm ainda pequenos, mas que principalmente tenham vocação para encarar a maternidade", comentou Elaine Glasmewer. E a vocação deve ser mesmo o que move essas famílias, já que elas recebem apenas uma ajuda de custo da Prefeitura – meio salário mínimo e uma cesta básica por mês, além de frutas, verduras e carnes semanalmente.

O trabalho das famílias é supervisionado pelo Juizado da Infância e Juventude, e as crianças recebem acompanhamento individual. A assistente social destaca que cada criança é tratada como uma pessoa única, e que dentro dessa nova família é trabalhada a inteligência, vontade e afetividade. "A inteligência não é a desenvolvida na escola, mas sim dentro de uma nova leitura de mundo. Já a vontade se refere à busca da força interior para resgatar os valores da vida", explicou Elaine. Essa preocupação, diz a assistente social, visa contribuir para a formação humana dessas crianças.

Mães por vocação, sem reclamar das dificuldades

A rotina de Silmara Maria da Silva Melo, de 37 anos, começa às 5h50, quando ela levanta para preparar o café da manhã para seus quinze filhos – quatro biológicos e onze de coração. Aos poucos a criançada vai aparecendo, já vestidos com o uniforme da escola ou com a roupa para o banho – esses fazem parte da "turma do xixi", que são aqueles que ainda urinam na cama à noite. Quando todos foram encaminhados, Silmara dá uma arrumada na casa e às 11h começa a preparar o almoço.

À tarde, alguns vão para a aula de karatê ou balé, mas antes do jantar todos têm que estar com a lição da escola feita – item que a mãe confere pessoalmente. Depois das obrigações, é hora de assistir TV, e, para ficar mais perto de todos, a mãezona divide o tapete da sala com Geovane, Luana, Gislaine, Suzana, Samuel, Ricardo, Simone, Natali, Jordana, Reginaldo, Joana, Bruno, Fábio, Juliana e Jean. O único que é adotado na casa, brincam, é o Tob, o cachorro pincher "que pula igual a uma mola". Esse é o clima da pequena casa de madeira azul, que fica em um bairro da periferia de Araucária.

Do outro lado da cidade está a ex-cozinheira industrial Tereza de Lourdes Pauluk, de 40 anos. Há quatros meses, ela resolveu "ampliar" a família e, de um dia para outro, aumentou de dois para cinco o número de filhos. O marido, um mecânico industrial, achou ótimo, pois assim ela ficaria mais tempo em casa e poderia se dedicar integralmente às crianças – que tem entre 3 e 14 anos. Para receber os mais novos membros, a família precisou apenas colocar uma parede para dividir os cômodos da casa e mudar alguns móveis de lugar.

Silmara e Tereza decidiram participar do projeto de famílias substitutas por acreditarem que seu amor maternal vai além das ligações sangüíneas. Há cinco anos no projeto, Silmara conta que já recebeu nesse período cerca de 28 crianças. "É sempre difícil trabalhar com a saída deles, pois quando chegam a emoção é muito forte e a gente se apega como um filho biológico", falou.

Com um marido jardineiro que consegue tirar uma média de R$ 700 por mês, Silmara afirma que a questão financeira não é o maior problema. "O dinheiro a gente dá um jeito. O mais difícil mesmo é passar para eles a segurança e certeza que estão sendo amados", diz. (RO)

Demanda por assistência ainda é grande

Como existe uma grande demanda pela assistência, poucas famílias participantes são colocadas em lares substitutos. Os menores ficam abrigados enquanto a família biológica é trabalhada para que tenha condições de recebê-los novamente – durante o tratamento continuam tendo contato com os filhos, e, quando eles retornam para casa, também é feito um acompanhamento pelo Conselho Tutelar antes que o processo seja encerrado na Justiça.

Quando isso não é mais possível, ou os pais verdadeiros não querem mais a criança, são contatados parentes, que passam a ter a guarda sobre eles. Mas em alguns casos essa alternativa também não é possível.

Segundo Elaine Glasmewer, essa terceira possibilidade muitas vezes não acontece. "Nós temos um caso em que a mãe tentou o aborto, e com isso a criança perdeu parte do cérebro, ficando com uma deficiência mental. Ela chegou recém-nascida na casa, onde está há 14 anos", comentou. Dentre as quinze famílias substitutas de Araucária, três tiveram um envolvimento muito grande com as crianças e acabaram realizando a adoção.

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