Portadores de transtornos mentais sofrem com atendimento

A maioria das pessoas portadoras de transtornos mentais no Brasil procuram a rede pública de saúde para tratamento. Deste universo, quase a metade diz que o acesso ao atendimento é difícil. Esta foi uma das constatações de uma pesquisa divulgada ontem pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) em parceria com o Instituto Datafolha. O levantamento, que abrangeu transtornos mentais graves, é inédito e demonstra a realidade brasileira sobre a política de saúde mental no país. A divulgação aconteceu durante o 24.º Congresso Brasileiro de Psiquiatria, que acontece em Curitiba até o próximo sábado.  

O objetivo da pesquisa era conhecer a percepção dos psiquiatras e da população em relação ao atendimento prestado no Sistema Único de Saúde (SUS). O estudo foi realizado em todas as regiões do país com 2.267 pessoas com mais de 18 anos. 9% dos entrevistados responderam que tiveram ou alguém de sua família teve doença mental nos últimos doze meses. Destes, 72% informaram que procuraram o SUS; 23% procuraram o sistema privado; e 21% buscaram o plano ou seguro de saúde. Daqueles que utilizaram a rede pública, 8% não conseguiram atendimento; 47% conseguiram ser atendidos, mas com dificuldade; e 45% acharam o acesso fácil. ?Assim, 92% das pessoas que procuraram tratamento foram atendidas. Esperávamos um índice menor. É importante que estão conseguindo, mas não podemos esquecer que o acesso é difícil?, explica Sérgio Andreoli, coordenador de epidemiologia psiquiátrica da ABP. Em contrapartida, dos que procuraram o sistema privado ou os planos de saúde, 100% foram atendidos e 83% tiveram facilidade no acesso.

O levantamento também ouviu 207 médicos psiquiatras em todo o Brasil sobre a qualidade de atendimento do paciente com transtornos mentais. Do total de entrevistados, 85% diziam estar informados sobre a política de saúde mental executada em sua região. A pesquisa detectou que 84% dos médicos acreditam que a assistência ao doente mental em hospitais vem diminuindo, o que reflete a intenção da política de saúde mental que vem sendo aplicada nos últimos anos. Ela visa a diminuição dos internamentos em hospitais e fazer o tratamento perto da comunidade. A assistência em serviços comunitários está crescendo, segundo 72% dos entrevistados.

Sobre a quantidade de serviços de saúde na região do profissional entrevistado, 84% dos médicos afirmam que é limitada e não atende às necessidades dos pacientes. Os psiquiatras ainda deram notas, de 1 a 10, para o grau de facilidade de acesso ao tratamento. No sistema público, a nota foi 4,5.

Segundo Andrioli, a crítica da associação quanto a política pública de saúde é a grande velocidade entre o fechamento de leitos de hospitais para internamento e a abertura de unidades comunitárias de atendimento, como o Centro de Atenção Psicossocial (Caps). Há denúncias de falta de estrutura dessas unidades e ausência de médicos psiquiatras. ?Em 2003, eram 440 Caps. Hoje chega perto de 900. Está crescendo muito sem controle de qualidade?, explica.

Relatório pode ter outras funções

Para o presidente da ABP, Josimar França, o relatório pode servir de ferramenta para alterações na política de saúde mental no país. Ele defende a criação de uma rede integrada, em conjunto com o sistema de saúde geral, para melhorar o quadro brasileiro. Tudo começaria desde o programa de saúde da família. Com o diagnóstico precoce, é possível evitar que pacientes cheguem a níveis mais críticos de transtornos mentais. ?O momento de corrigir é agora?, garante França.

Conforme dados apresentados pela ABP, 2,5% do valor total gasto com o Sistema Único de Saúde (SUS) é destinado para a saúde mental. Essa percentagem é a metade do que se aplicava há dez anos. Os países com uma situação melhor neste sentido normalmente aplicam 5% do total a ser gasto em saúde pública.

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