O caminho das multas de trânsito em Curitiba

Campeãs de reclamações em todos os departamentos de trânsito do País, as notificações de infrações de trânsito, aliadas à baixa média de recursos deferidos – leia-se multas arquivadas -, deram origem ao termo "indústria da multa". Mesmo assim, em Curitiba, apenas 20% de quem recebe uma multa recorre na primeira instância, apesar de ser direito de qualquer motorista que não concorde com as penalidades impostas.

Para os órgãos de trânsito, o número é baixo porque muita gente não sabe como funcionam as instâncias responsáveis por analisar as justificativas dos infratores. A reportagem de O Estado acompanhou de perto o funcionamento deles em Curitiba e descobriu que, ao mesmo tempo que o motorista que apresenta defesa não precisa de um advogado para tanto, essas instâncias, regulamentadas pelo Conselho Nacional de Trânsito (Contran), também não funcionam como tribunais.

Quem observa a estrutura das Juntas Administrativas de Recursos de Infração (Jaris) ou dos Conselhos Estaduais de Trânsito (Cetran), percebe em seus colegiados, pessoas com conhecimento jurídico no mínimo questionável para julgar os recursos dos motoristas.

"Mesmo não sendo tribunais, os órgãos de recurso funcionam muito bem e são totalmente imparciais. Além disso, não se trata de uma criação de Curitiba. Seguimos as normas do Contran", afirma Lea Hatschbach, gerente de infrações de trânsito da Urbs.

Ritos

Existem três instâncias administrativas para que o motorista recorra da multa. A primeira delas é a defesa prévia, feita na Diretoria de Trânsito de Curitiba (Diretran), órgão municipal de trânsito que adotou o sistema em 1998, cinco anos antes que a Resolução 149 do Contran a tornasse obrigatória em todo o País. No ano passado, o órgão arrecadou mais de R$ 50 milhões em multas.

O caminho da multa começa com a notificação da autuação, expedida até 30 dias depois da ocorrência da infração. A Diretran alerta que o motorista deve manter atualizado o seu endereço. O Código Brasileiro de Trânsito diz que, se a notificação for devolvida por desatualização do endereço do proprietário do veículo, será considerada válida.

A notificação serve para alertar o proprietário do veículo sobre o registro da infração e permitir a defesa. A partir do recebimento da notificação, ele tem 15 dias para identificar quem estava dirigindo.

Hatschbach revela que, de janeiro a novembro, 40.232 pessoas protocolaram recurso no Setor de Análise de Infrações, responsável por avaliar os recursos que chegam ao Diretran. Desse total, apenas 6% são deferidos. "As pessoas não apresentam justificavas consistentes e com documentação."

Análise

Para julgar todo esse volume de recursos, o Setor de Análise de Infrações tem apenas dois advogados contratados pela Urbs, auxiliados por um número variável de estagiários de Direito.

Quem apresenta a defesa só recebe a imposição de penalidade se o seu recurso for julgado improcedente (94% dos casos). O motorista recebe a imposição em casa, onde estará registrado também o prazo para recorrer à segunda instância, as Jaris), que é de 30 dias. Caso contrário, a multa é arquivada. 

Integrantes das Jaris analisam recursos na segunda instância

Já a estrutura das Jaris é ainda mais curiosa. Responsável pela segunda instância de recursos administrativos das infrações, as juntas são regulamentadas pelo Contran e por decreto municipal. Os três colegiados do município contam, cada um, com um integrante com conhecimento jurídico na área de trânsito e com diploma de Direito, indicado pelo prefeito. É ele quem preside o Jari. Outro representante é servidor do órgão ou entidade que impôs a penalidade, no caso a Urbs, e um terceiro representante é de entidade representativa da sociedade, ligada à área de trânsito.

Para esse último cargo é escolhido alguém ligado ao Sindicato dos Motoristas e Cobradores nas Empresas de Transporte de Passageiros de Curitiba e Região Metropolitana (Sindimoc) ou do Sindicato dos Taxistas de Curitiba e Região (Sinditáxi). "Essa estrutura é feita para que todos os setores da sociedade tenham representatividade", explica o coordenador das Jaris de Curitiba, Carlos do Vale.

Sobre a qualificação dos integrantes, Vale afirma que mesmo que dois deles não tenham formação universitária em Direito, cada relator é assessorado por uma equipe de estagiários de Direito, coordenados por um advogado contratado pela Urbs. "Além disso eles precisam apenas avaliar a consistência dos recursos, que quase nunca estão escritos em linguagem jurídica", diz o coordenador. Além disso, mesmo não estando na lei, o coordenador admite que interfere na escolha do representante dos sindicatos. "Exigimos um mínimo de conhecimento para ele estar aqui."

Vale também nega que até agora nenhum dos sindicalistas indicados para avaliar as defesas tenha sido corporativista. "A composição do colegiado impede esse tipo de coisa", explica. Atualmente, um dos Jaris tem um taxista, outro um motorista de ônibus e no outro um cobrador. Eles recebem uma ajuda de R$ 60 por seção.

Equipe pequena

Nos Jaris, o número de recursos é menor do que na defesa prévia. De janeiro a novembro, apenas 31.241 recursos foram protocolados. O número que foi deferido, porém, é o mesmo: apenas 6%. Para recorrer ao Jari, não é preciso ter feito a defesa prévia. A equipe, além do coordenador Carlos do Vale, que é advogado, tem apenas um advogado e 15 estagiários de Direito. São eles os responsáveis por assessorar os relatores, que na teoria devem ler todos os recursos que são dirigidos a eles. "Muita gente não acredita, mas lemos todos os recursos que passam por aqui", afirma do Vale. (DD)

Para recorrer ao Cetran, multa tem que ser paga

Nas Jaris, a avaliação das multas é quase sempre a mesma que a da defesa prévia. Se a pessoa tem a infração deferida numa das Juntas, ela volta para o Diretran, que caso não concorde com a modificação, pode recorrer ao Cetran, que também é o último grau de recurso administrativo. Mas para entrar com recurso no Conselho, a multa precisa ser paga.

Caso o processo não seja definido até o vencimento da multa, é aconselhável pagar, para não perder o desconto de 20%. Esse desconto, previsto no Código Brasileiro de Trânsito, é válido para qualquer multa paga até o vencimento. O prazo para entrar com este recurso no Cetran é de 30 dias após o conhecimento, por aviso escrito, do resultado do pedido anterior. Se o recurso for julgado procedente, o valor pago será reembolsado.

Segundo o advogado Marcelo Araújo, assessor jurídico do Cetran, o Conselho no Paraná é formado por representantes do Departamento de Estradas de Rodagem, do Departamento de Trânsito do Paraná, do comando da Polícia de Trânsito, e dos sindicatos de transporte de cargas patronal e de funcionários.

O Cetran recebe recursos de cerca de 10% de quem é multado no Estado, pois também julga recursos de infrações cometidas nas rodovias estaduais. Apenas 3% são deferidos. "O Cetran tem uma estrutura frágil e não tem muita autonomia. Mesmo regulamentado pelo Cotran, não pode receber recursos federais nem municipais. Temos dificuldade até para comprar material de papelaria e o colegiado se reúne numa sala emprestada pelo Detran", revela Araújo. Pela Lei, o Conselho tem 30 dias para apreciar os recursos, mas o processo chega a levar até dois anos.

Justiça

Caso o segundo recurso seja indeferido, a última instância é recorrer à Justiça através de uma ação anulatória da multa ou, em situações muito especiais, de mandado de segurança. (DD)

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