Incra prestes a encerrar caso da fazenda Araupel

As negociações no Oeste do Paraná entre Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e a empresa de papel e celulose Araupel estão prestes a acabar. Há três semanas, o órgão federal depositou na Justiça os R$ 75 milhões para o pagamento à empresa das benfeitorias existentes em partes das fazendas Rio das Cobras e Pinhal Ralo, área que totaliza 25 mil hectares, compradas pelo Incra para a construção de assentamentos modelo na região. As terras, localizadas em Quedas do Iguaçu e Rio Bonito do Iguaçu, pertenciam à Araupel e estão ocupadas por trabalhadores rurais desde 1999.

A polêmica na região começou com o fato de as partes agricultáveis dentro da propriedade estarem entre áreas de reflorestamento e de mata nativa. Segundo o Incra, para comprar a parte propícia para o cultivo também seria necessário incluir os outros espaços. Todo o processo de negociação e compra das fazendas da Araupel também foi alvo de denúncias de supervalorização das terras e das benfeitorias, em virtude dos valores pagos nos últimos anos pelo Incra por terras destinadas para a instalação de acampamentos.

O deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB/PR) reuniu documentos de diversos órgãos, como o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e Tribunal de Contas da União (TCU), que não informaram dados porque a compra da área não havia sido efetivada no momento do pedido de informações.

Dentre os documentos está um parecer da procuradora da república Camila Ghantous, de Cascavel, realizado em dezembro de 2004 depois de uma requisição feita pelo procurador-geral da República, Cláudio Lemos Fonteles. De acordo com ela, uma audiência pública foi realizada em Curitiba em outubro de 2003 na qual o Incra formulou a proposta de aquisição da área, no valor de R$ 132 milhões, sendo R$ 70 milhões para pagamento de benfeitorias e R$ 62 milhões pelas terras. O documento expõe que a compra e a venda somente não foram efetivadas ?em razão da repercussão negativa na imprensa e em função da existência de um parecer, no âmbito do Incra, concluindo que os títulos da propriedade ostentados pela empresa eram nulos, sendo a área de domínio da União?.

Diante disso, foi ajuizada pelo instituto, no dia 24 de setembro de 2004, uma ação na Justiça Federal de Cascavel com o objetivo de declaração de nulidade do título de propriedade de parte das fazendas. Mesmo com essa descoberta, as benfeitorias foram negociadas, pois se considerou que as terras foram usadas de ?boa fé? pela empresa, o que está previsto na Constituição Federal.

Na petição inicial, foi requerida a realização de uma audiência de tentativa de conciliação entre as partes, com intervenção do Ministério Público Federal, para estabelecer o valor e o pagamento das benfeitorias. Em contrapartida, a empresa autorizaria o Incra a ocupar a área. No dia seguinte, José Bruno Lemes, procurador-geral do instituto, Roberto Kiel, e Celso Lisboa de Lacerda, superintendente no Paraná, foram até Cascavel para reforçar a intenção de efetivar o pagamento das benfeitorias existentes no imóvel, mediante autorização de imissão de posse por meio de um acordo judicial. O Incra e a Araupel acordaram o valor de R$ 75 milhões pelas benfeitorias e queriam o aval da Justiça Federal para sacramentar o que foi negociado. O dinheiro chegou a ser depositado na Justiça, mas a mesma não quis arcar com a responsabilidade sobre esse valor. O montante então voltou para o Incra, em Brasília.

Estudo da Federal justifica os valores

Sobre os laudos de valores das benfeitorias, o grupo do Incra informou que uma parte foi feita pelo próprio órgão e outra, que abrange a parte do reflorestamento, foi realizada pela Fundação de Pesquisas Florestais do Paraná (Fupef), ligada à Universidade Federal do Paraná (UFPR). Após a repercussão negativa sobre os valores de compra da área, a fundação foi contratada para os trabalhos de avaliação.

A Fupef apresentou laudo contendo quatro alternativas de avaliação do reflorestamento existente na Fazenda Rio das Cobras, cada uma com combinações de critérios diferentes. Como foram encontradas árvores de diferentes idades, com momentos para o corte diferenciados, a Fupef optou por cálculos que estimam o volume de madeira em pé nas idades para o corte, chegando ao volume de 1.555.089 metros cúbicos, e o volume presente de madeira em pé, de 1.183.837 metros cúbicos.

Segundo a procuradora Camila Ghantous, chegou-se a quatro valores diferentes: R$ 39.683.618, resultado do inventário florestal (volume presente de madeira em pé) a preços históricos de madeira corrigidos pelo IGPM; R$ 45.562.723, resultado do inventário florestal a preços correntes da madeira; R$ 60.834.450, resultado da projeção volumétrica da produção nas idades de corte e nos preços históricos da madeira em pé, corrigidos pelo IGPM; e R$ 70.062.373, resultado da projeção volumétrica da produção nas idades de corte a preços correntes da madeira. O documento diz que ?a Fupef ressaltou que as quatro alternativas seguem metodologias válidas. Entretanto, julgou tecnicamente mais apropriada para a obtenção de ativos florestais, numa condição de normalidade, a alternativa quatro. A direção do Incra, com base no ressaltado pela Fupef, julgou mais adequado adotar a alternativa quatro (R$ 70 milhões) para fins de valorização do reflorestamento da Fazenda Rio das Cobras, chegando ao seguinte valor total para indenização das benfeitorias: R$ 77.613.461,48?.

O total é composto por R$ 3.618.635,88 de benfeitorias não reprodutivas; R$ 939,60 de benfeitorias reprodutivas/cultura anual; R$ 33.931.513 de reflorestamento na Fazenda Pinhal Ralo (este laudo feito pelo própria Incra); e R$ 70.062.373 pelo reflorestamento da Fazenda Rio das Cobras. ?Os técnicos do Incra, contudo, entenderam mais conveniente a adoção da alternativa um (R$ 39.683.618) apontada pelo Fupef. Segundo esse entendimento, o valor total para a indenização das benfeitorias seria R$ 47.234.706,48?, informa a procuradora.

Em suas considerações finais, Camila afirma que a antiga proprietária da área foi incorporada pela empresa Rio das Cobras Florestal Ltda no segundo semestre de 2003. Neste momento, ?foi realizada avaliação de todos os seus bens, inclusive do imóvel em análise e das benfeitorias e reflorestamento lá existentes, sendo apontado e aceito pelas empresas o valor de quase R$ 12 milhões pelos bens que ora se pretende indenizar por R$ 75 milhões?. Ela também questiona a taxa de desconto aplicada pela Fupef que compensa o fato de as árvores ainda não estarem no ponto certo para corte. A Fupef utilizou o índice de 6%, enquanto a procuradora defende os 8%. Isto resultaria uma redução de R$ 7 milhões na indenização. O Ministério Público Federal (MPF) discordou do pagamento da indenização acordada entre as partes. A procuradora revela que ?quanto antes realizado o pagamento da indenização das benfeitorias, menor será a incidência de juros e correção monetária. Mas esta alegação não é suficiente para que o MPF manifeste a sua imediata concordância com o valor acordado pelas partes (R$ 75 milhões), pois inviabilizaria eventual atuação deste órgão ministerial na seara de improbidade administrativa, caso, eventualmente, se demonstre supervalorização de tal montante.

Empresa

O diretor administrativo e financeiro da Araupel, Luiz Ceron, conta que a empresa vai procurar seus direitos se não receber o dinheiro das benfeitorias. Ele afirma que os títulos são verdadeiros e contesta as denúncias sobre a indenização. ?Muito se falou por motivos políticos. Isto é uma briga política federal entre PSDB e PT. Ninguém pode questionar a Fupef, talvez o maior especialista em florestas no Brasil?, opina.

O Incra já está trabalhando no Plano de Desenvolvimento de Assentamento (PDA) na área. Será determinado quantas famílias serão assentadas e o que produzirão. As famílias serão beneficiadas depois do meio do ano. As terras da Araupel foram ocupadas em 1999 e 2003. (JC)

Disputa política atrapalha a aquisição da área

O superintendente do Incra do Paraná, Celso Lisboa de Lacerda, explica que a ação que contesta a titularidade das terras da Araupel pode se arrastar por anos na Justiça. Por causa disso, foi acordado o valor de R$ 75 milhões de benfeitorias para que a propriedade passasse para o instituto antes da sentença, o que foi aceito pela Justiça posteriormente. Para ele, as denúncias de superfaturamento são meramente de cunho político. ?Nenhum deputado ou senador veio aqui mostrar uma solução para o problema. O juiz responsável visitou a área e, no mesmo dia, ele concedeu a posse para o Incra, independentemente do valor da indenização. Neste momento apareceu uma liminar do Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo-Sul (BRDE) impedindo o pagamento porque a Araupel tinha uma dívida com o banco de R$ 32 milhões. O Incra depositou o dinheiro na Justiça, mas a nova juíza do caso não aceitou?, revela.

Lacerda informa que a Araupel foi até o Tribunal Regional Federal da 4.ª Região para suspender a liminar e a desembargadora aceitou o pedido, alegando que o Incra não havia pago a empresa. ?O instituto recorreu e conseguiu manter a posse da terra. Depois das férias forenses, no início deste ano, o TRF pediu o dinheiro e o Incra depositou na Justiça. Não temos mais riscos de perder a área. Agora é a Justiça que vai resolver o que fazer com o dinheiro.?

Sobre os valores das benfeitorias, Lacerda diz que ?o resultado da Fupef fechou com a nossa avaliação inicial. As denúncias sobre as benfeitorias são infundadas. Quem levantar suspeita contra a Fupef terá que ter muito embasamento técnico para isso?. (JC)

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