Cenário da vergonha

Guadalupe é um espaço para todo tipo de negócio

Endereço da vergonha e do desconforto para quem transita ou trabalha na região e de desilusão para aqueles que têm no imaginário a Curitiba dos parques e monumentos, o Terminal do Guadalupe se configura em um grande espaço de negócios lícitos e ilícitos.

Na área compreendida entre as esquinas das ruas João Negrão e André de Barros, mais de 70 mil passageiros trazidos por 47 linhas (14 do transporte urbano e 33 do metropolitano) cruzam o local em dias úteis.

Com tantas pessoas circulando, o local se configura em um berço de possibilidades para quem quer defender o pão nosso de cada dia. E dentre as opções há desde mercearias e açougues, devidamente cadastrados pela Urbanização de Curitiba S/A (Urbs), até traficantes e prostitutas.

“É tenebroso”, desabafa o açougueiro Devanir Antonati. “Já vi de tudo por aqui. É prostituta correndo pelada para agredir outra, pessoas vendendo ou usando drogas e mendigos bêbados interrompendo a todo instante a freguesia que tentamos atender bem”, afirma.

A sequência de situações deploráveis se repete tanto nos relatos de passageiros do terminal, quanto de funcionários da Urbanização de Curitiba S/A (Urbs) e trabalhadores dos estabelecimentos instalados no Guadalupe e nos arredores.

O constrangimento diante de tantas mazelas não poupa nem os voluntários e funcionários da Paróquia Nossa Senhora de Guadalupe. “É vergonhoso para a nossa cidade. As caravanas que chegam aqui para assistir à missa do padre Reginaldo Manzotti se deparam com dezenas de mendigos dormindo na rampa da paróquia, além do mau cheiro provocado pela urina e toda a sujeira deixada por bandidos, prostitutas e gente desocupada”, descreve o auxiliar de serviços gerais da Paróquia, Camilo dos Santos.

“Tentamos oferecer ajuda, fazer um trabalho de recuperação, mas a maioria quer continuar nessa vida. Pior, com as leis protegendo o bandido, nem a polícia consegue fazer muita coisa”, comenta.

Tal afirmação encontra respaldo entre os integrantes da Guarda Municipal que prestam serviço. No meio da tarde, em pouco mais de duas horas que a reportagem da Tribuna esteve no terminal, pôde constatar uma ação frustrada dos guardas.

“O rapaz estava com várias buchas de crack, conseguimos interceptá-lo no banheiro, só que ele jogou na privada”, lamentou o guarda. “Pior é quando encaminhamos o bandido, pego em um flagra, e dias depois a pessoa está liberada e atuando novamente no terminal”, acrescentou outro guarda. Ambos não quiseram ser identificados.

De cabelo a rabo de frango: comércio variado

Em meio a esse cenário de graves problemas sociais, o comércio miúdo do terminal é uma prova incontestável da resistência de quem tem no Guadalupe a sua fonte de renda.

No cadastro da Urbs aparecem 22 estabelecimentos comerciais com as mais diversas finalidades. São aviários, lanchonetes, lojas de cosméticos, salões de beleza que compram cabelo, etc. O açougue Frigobem conta com algumas iguarias que só se encontra por lá.

“Minha sobrinha chegou da Bolívia, onde aprendeu a gostar de pé de frango. Sabia que só aqui no Guadalupe poderia encontrar”, contou a cliente Célia Carvalho.

De fato, o pé de frango aparece entre as opções do frigorífico, o quilo sai por R$ 2,60, mas no dia em que Célia foi comprar já tinha acabado. Segundo o açougueiro Devanir Antonati, miúdos, dorso e pé de frango respondem por 30% das vendas. “É o que o povo gosta”, conta.

Outro petisco apreciado é sambiquira, que estava sendo vendida por R$ 2,90 nesta semana. “É o rabo do frango. Fica muito gostoso frito”, explica Antonati. E as dicas do açougueiro não se encerram nas aves. “Quem quer fazer um quibe suculento, precisa escolher uma carne moída de segunda, a primeira resseca o prato”, ensina.

À espera de uma revitalização

O Terminal do Guadalupe foi construído em 1956 e foi orientado pelo,s princípios de planejamento urbanístico deixados pelo Plano Agache, entregue à Prefeitura de Curitiba em 23 de outubro de 1943 e que influenciou as obras de Curitiba até 1958.

De lá para cá, a existência de um terminal de ônibus no centro da cidade passou de solução a problema, principalmente, para o trânsito da região. Isso somado ao cenário de degradação já motivou várias discussões a respeito de projetos de revitalização para o local.

Entretanto, segundo o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc), nenhuma dessas discussões rendeu um projeto devidamente estruturado para o local.

Atualmente, a expectativa de alguma melhoria se restringe ao anúncio da Urbs em relação ao conjunto de melhorias previstas para 21 terminais urbanos e mais o Guadalupe.

Não há um montante específico para cada terminal, mas o investimento total será de R$ 48,8 milhões, que serão empregados ao longo de cinco anos. Tal projeto encontra-se em fase de licitação.