Gestão, o obstáculo para o Itupava

Muitos paranaenses podem ainda desconhecer e até ignorar, mas a relevância do Caminho do Itupava ainda se revela indiscutível. Por muitos anos, o trecho foi fundamental, servindo de única via entre litoral e planalto, tanto em período colonial quanto, especula-se, em período indígena. Naquelas épocas, o desafio era conseguir percorrer o caminho e atravessar a Serra do Mar. Hoje, a grande questão é como gerir e preservar esse patrimônio.

A primeira intervenção efetiva do Estado no caminho ocorreu em março de 2006, com a execução de um projeto de restauração. Entre as atividades realizadas estão a desobstrução, recuperação dos sistemas de drenagem, passarelas, pontes e escadas. O Itupava foi reaberto ao público em outubro do ano passado, quando se falou até em inauguração. No entanto, ainda hoje, esse processo gera polêmica e alguns profissionais até questionam o que foi inaugurado, se ainda há muito a ser feito. O responsável pela ação foi o Programa Pró-Atlântica, da Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema), que contou com vários parceiros.

Um dos profissionais contratados para acompanhar a restauração do caminho foi o arqueólogo Júlio Telles Thomaz. Mesmo tendo acompanhado as obras, ele alega que ?com pressa em inaugurar o caminho até outubro (época de eleições), vários equívocos foram cometidos?. Entre eles, o arqueólogo levanta o problema com três importantes ruínas, que deveriam ter sido desviadas, mas não foram. ?Eles começaram a desprezar as planilhas que fizemos, com os cuidados que deveriam ser tomados em relação ao sítio arqueológico todo, que é o próprio caminho?, afirma Júlio.

De acordo com o profissional, a trilha, hoje restaurada, ?apresenta problemas de ponta a ponta?. ?Esses problemas podem e devem ser revertidos, mas dependem de uma nova intervenção técnica. Tecnicamente ainda há muitas pendências. Há cerca de dez meses, protocolei esta denúncia no Iphan (Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e só agora, com muita pressão, fui procurado, informalmente ainda, para começar a tentar reverter essas falhas?, revela.

Outras falhas que ainda restam no caminho seriam de caráter ambiental. Quem as levanta é o engenheiro florestal e doutor em Meio Ambiente, Edson Struminski. Segundo ele, estaria faltando, principalmente, um plano contra incêndios, cujo risco na área é eminente. ?O próprio caminho pode ser fonte geradora de resíduos que podem vir a assorear os rios?, afirma. Tanto Júlio quanto Edson afirmam que as intervenções feitas até agora ?resumem-se em questões estéticas e não técnicas ou de gestão?.

Caminho foi gradativamente abandonado

Por, no mínimo, 250 anos o Caminho do Itupava foi bastante utilizado. Porém, a partir de 1873, com a construção da Estrada da Graciosa e, em seguida, da ferrovia Curitiba/Paranaguá, aos poucos o Itupava foi sendo ?abandonado?. Sem uso, a mata fechou, a terra cobriu a trilha e o tempo também se encarregou de desgastar a história já escrita na trilha. Há mais ou menos 20 anos, alguns aventureiros ainda lembravam da trilha, mas era apenas aventura até um pouco desordenada.

O caminho continuou esquecido até a década de 80, quando começaram a ser feitos os primeiros estudos sobre o trecho. Levantamentos ambientais, históricos, geográficos, arqueológicos, mas até então eram apenas estudos. Foi apenas depois de mais de 20 anos, entre 2000 e 2001, que o governo do Estado começou a pensar na restauração do caminho.

Primeiro, foi feito um levantamento arqueológico e definidas as ações. Por iniciativa do Programa Pró-Atlântica, das Secretarias de Estado da Cultura, do Meio Ambiente, de Segurança, do Instituto Ambiental do Paraná e das prefeituras de Morretes e Quatro Barras, com recursos do banco alemão KFW (R$ 900 mil), o caminho começou a ser restaurado em março de 2006. Fechado desde outubro de 2005, foi reaberto para o público em outubro do ano passado, mas ainda não é considerado pronto.

Responsáveis alegam que o compromisso foi cumprido

Foto: Allan Costa Pinto

Paulo: duas pendências.

Segundo o coordenador-geral do Programa Pró-Atlântica, Paulo de Tarso Pires, um dos responsáveis pelo restauro do Caminho de Itupava, o compromisso assumido em 2006 era desenvolver material de orientação do visitante e fazer a restauração. O que, segundo ele, foi feito. ?Em outubro do ano passado, foi feita uma última vistoria e o caminho foi repassado para o grupo de gestão. Aquele foi um passo e não um trabalho acabado. É preciso, agora, se preocupar com a gestão?, aponta.

Ainda de acordo com Pires, a polêmica que a intervenção no caminho ainda gera se deve ao fato de ?muita gente se incomodar com o aumento do fluxo de pessoas no local? e ?pressão para novas contratações?. Ele alega que houve atividades que foram alteradas, mas que nenhuma deixou de ser realizada. ?Ficou pendente apenas a ponte sobre o Rio Ipiranga, atualmente em estudo, e um centro de visitantes na área de Borda do Campo, que não foi feito por falta de uma área pública?, justifica.

Foto: João de Noronha

Harvey: monitoramento.

Atualmente, a gestão do Itupava é de responsabilidade do Instituto Ambiental do Paraná. ?O nosso grande desafio, agora, é efetivar o atendimento e monitoramento do fluxo turístico, visando o ordenamento do mesmo?, comenta Harvey Schlenker, técnico do IAP responsável pelo caminho.

Ainda sem equipe efetiva, ele afirma que é difícil administrar de maneira concreta todas as faces do caminho (segurança, arqueologia, ambiental e turística). ?Estamos começando a executar tudo isso. Se houve falhas, temos obrigação de corrigi-las. Se os especialistas indicarem, vamos buscar recursos para isso?, promete. Segundo ele, alguns meses de atuação é pouco, mas ?já foi suficiente para colocar o pé no chão, o que dá condições de atuar em cada área?.

* Leia mais sobre o Caminho do Itupava na edição de amanhã.

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