Falta leitos para pacientes de saúde mental

O Ministério da Saúde publicou em janeiro de 2012 as diretrizes para a implantação de leitos para pacientes com transtornos mentais em hospitais gerais. A abertura de vagas nestas instituições corresponde a um leito para cada 23 mil habitantes. Diante disto, Curitiba deveria ter 76 leitos para atendimento de saúde mental, mas que até agora não existem. A afirmação é da Associação de Apoio dos Portadores de Distúrbios de Ordem Mental (AADOM), em Curitiba. “Existe receio sobre isto porque em breve o Ministério da Saúde vai cortar as verbas para os hospitais psiquiátricos. A ideia do ministério é fechar os leitos pelo SUS nestes hospitais. Por enquanto, Estado e municípios estão bancando leitos em hospitais psiquiátricos. Em breve, poderemos não ter estrutura para atender situações de crise”, explica Luís Felipe Ferro, professor do departamento de Terapia Ocupacional da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e colaborador da AADOM.

O atendimento da saúde mental em Curitiba é questionado pelo profissional e pela associação. “Existe um inquérito civil, do Ministério Público, sobre o mau atendimento na saúde mental de Curitiba. Para internação, está um horror”, opina Elma Suassuna, presidente da AADOM, relatando que a fica de espera nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) em Curitiba chegava a quatro meses. Os CAPS fazem parte da rede para a saúde mental, incluindo o atendimento para dependentes químicos.

Ferro ressalta que os CAPS devem ter portas abertas, ou seja, quem aparecer no local tem que ser atendido. Mas o encaminhamento hoje é primeiro procurar uma Unidade de Saúde, que depois redireciona o caso para um CAPS. Quem precisa de atendimento esbarra na fila de espera. Além disto, há apenas um CAPS com funcionamento 24 horas.

Ferro destaca que outra estrutura para o atendimento da rede não existe em Curitiba, o chamado centro de convivência, que oferece atendimento e proporciona inclusão social. Para o professor, este centro é um dos equipamentos considerados essenciais para a saúde mental. “No caso das pessoas que lutam contra as drogas e o álcool, de segunda a sexta você encontra o atendimento. Mas chega no sábado e domingo, a pessoa fica desesperada e não tem o que fazer. O centro de convivência contaria com profissionais e daria este apoio para a inclusão social”, esclarece.

De acordo com Ferro, Curitiba também precisa melhorar no projeto o chamado Consultório de Rua, que atualmente funciona apenas por três horas, uma vez por semana. Uma equipe multidisciplinar atende a população que precisa desta demanda, em especial moradores de rua. “Mas uma portaria do Ministério da Saúde determina uma equipe exclusiva para o Consultório de rua, para 30 horas semanais de atendimento. Haveria verba para quatro consultórios em Curitiba”, ressalta.

Prefeitura reconhece o problema

A Secretaria Municipal de Saúde enviou, por meio de assessoria de imprensa, um esclarecimento de Marcelo Kimati, diretor do Centro de Assistência à Saúde da secretaria. De acordo com ele, uma portaria municipal determinou a avaliação da rede de saúde mental de Curitiba. A atual gestão identificou uma cobertura insuficiente para a saúde mental, principalmente quanto aos CAPS, além do número insuficiente de serviços 24 horas, de leitos de atenção integral em hospital geral e de consultórios de rua. Também foi identificada, pela secretaria, uma longa fila de espera nos CAPS, o que não deveria existir.

Segundo a secretaria, estão programadas as ações de implantação de quatro consultórios de rua até maio deste ano; abertura de leitos em dois CAPS ainda em março; abertura de duas unidades 24 horas em abril e outras duas entre maio e junho; fim da fila nos CAPS; implantação de uma câmara técnica em álcool e drogas e um fórum permanente de saúde mental; e intervenção pactuada no pr,ocesso de trabalho nos serviços de saúde mental. A secretaria informou que há um longo percurso para chegar a uma rede de saúde mental apropriada ao município, mas que a expectativa é de ampliá-la em 300% até o final da gestão.

Jogaram os pacientes na rua

O sistema para a assistência de saúde mental implantado pelo Ministério da Saúde recebe críticas do presidente da Associação Brasileira de Psquiatria, Antonio Geraldo da Silva. Para ele, a ineficiência no atendimento não depende apenas de gestão de estados e municípios. “Ninguém no mundo quer replicar o sistema CAPS porque é caro, não foi testado e nem tem aprovação em nenhum local do mundo. Não há protocolo de atendimento, o que existe para outras doenças”, alerta. Silva ainda ressalta a dificuldade para conseguir vagas para internação em todas as regiões do País.

Ele lembra que o atendimento para a saúde mental poderia ter sido acrescentado nas unidades de saúde já existentes, mas com equipes específicas. “Quem tem condição de levar um parente às 8h no CAPS e pegar às 17h, todos os dias? E ainda é discriminatório porque criou um serviço apenas para dependentes ou pessoas que precisam de um atendimento específico”, avalia.

O presidente da Associação Brasileira de Psquiatria também é contra o fechamento dos hospitais psquiátricos. Ele também não concorda com “depósitos de seres humanos”, o que acontecia em algumas instituições. No entanto, para ele, os hospitais deveriam ser fortalecidos e readequados, e não fechados. “O sistema hoje é de desassistência. Fecharam os hospitais e, no lugar de qualificá-los, jogaram os pacientes na rua”, afirma Silva. Ele cita que o Brasil tinha 120 mil leitos psiquiátricos e o número hoje é de menos de 30 mil vagas. “Não é todo caso que poderá ser atendido nos hospitais gerais. Como tem hospital especializado em doenças do coração, são necessários hospitais psiquiátricos. É claro que precisa de leito em hospitais gerais, mas estes estão sucateados e ainda vão colocar os leitos psiquiátricos”, analisa.

Cerca de 30% da população de rua possui problemas psiquiátricos, assim como 12% da população carcerária. Silva ainda revela que cinco de dez afastamentos do trabalho estão relacionadas com saúde mental. “Precisamos de um sistema em rede, com atendimento primário, secundário e terciário. Hoje não temos leitos, não temos acesso para consultas, não existe nada. Defendemos uma estrutura qualificada e 100% pública”, indica.

Brunno Covello/SMCS
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