Crimes contra índios cresceram 64%, aponta estudo

A imagem de um índio vivendo em um ambiente de paz, em meio à natureza, a seus costumes e tradições virou quase uma fantasia no Brasil. Na comemoração do Dia do Índio, último sábado, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) – movimento da Igreja Católica ligado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – divulgou uma dura realidade: o número de índios assassinados em território nacional aumentou 64% no ano passado em comparação a 2006. O dado está presente na recém-lançada publicação Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil – relatório 2006-2007.

No ano 2006, 57 integrantes de tribos indígenas brasileiras foram assassinados. Já em 2007, foram 92. A maioria dos casos ocorreu nos estados do Mato Grosso do Sul (53), Maranhão (10) e Pernambuco (7). As causas dos crimes são diversas: geralmente estando ligadas a peculiaridades locais. Os autores dos assassinatos são tanto os homens brancos quanto os próprios integrantes das tribos.

Segundo o coordenador da regional Sul do Cimi, Cléber César Buzatto, que também é integrante da equipe Paraná da entidade, no Mato Grosso do Sul os crimes, em sua maioria, são cometidos pelos índios. Isso se deve ao fato de existirem tribos que abrigam um grande número de pessoas em um espaço físico muito pequeno. ?É o caso da aldeia de Dourados, que tem 3,3 mil hectares e abriga 12 mil índios Guarani-Kaiowá. Em locais como esse, também existe um alto índice de suicídios?, comenta.

Com pouco espaço para plantar, os índios do Mato Grosso do Sul acabam ficando sem perspectivas de futuro, havendo uma grande desestruturação social que resulta nos conflitos internos. Muitos acabam tendo acesso ao álcool e tendo o trabalho assalariado fora das aldeias como condição de sobrevivência. ?No estado, existem muitos índios em condições de trabalho escravo em usinas de produção de álcool, atuando no corte e no plantio da cana-de-açúcar?.

No Maranhão, as mortes geralmente se dão em disputas com grileiros e madeireiros. Já em Pernambuco, as causas principais envolvem reconquistas de espaços territoriais, sendo os autores homens brancos donos de propriedades. ?Em geral, os assassinatos ocorrem tanto com arma de fogo quanto com arma branca. São instaurados inquéritos, feitas investigações e encontrados os responsáveis. Entretanto, há muita impunidade, o que contribui para que os crimes continuem acontecendo?, afirma.

Durante a elaboração da publicação do Cimi, a autoria de 24 casos de assassinatos ocorridos em 2006 ainda permanecia desconhecida. Em 2007, eram 31 casos com autor não identificado. Naquele ano, do total de assassinatos, apenas oito foram apontados no relatório como homicídio culposo (sem intenção de matar).

Dois casos no Paraná

No Paraná, ocorreram dois assassinatos de índios em 2007, contra nenhum no ano anterior. De acordo com Cléber César Buzatto, os crimes vitimaram integrantes de aldeias Kaingang. Um envolveu um índio da comunidade de Queimadas, na região de Ortigueira, e outro da terra indígena de Rio das Cobras, em Nova Laranjeiras.

Em território paranaense, os crimes ocorrem principalmente em função de desavenças internas nas tribos. ?A maior violência contra os povos indígenas que vivem no Paraná se dá contra o patrimônio público dos mesmos, ocorrida em função de omissão do poder público?, declara.

Cléber diz que o governo federal costuma não cumprir prazos para regularização de áreas indígenas, o que acaba resultando em muitos dos conflitos. No Estado vivem cerca de 6 mil índios Kaingang, aproximadamente 300 Guaranis e oito Xetás. (CV)

Desnutrição e prostituição também são problemas

Os assassinatos não são os únicos fatores negativos a assolar as tribos indígenas brasileiras. Em muitos locais, as crianças e os adolescentes também enfrentam problemas. De acordo com a publicação do Cimi, muitas crianças são acometidas pela desnutrição. Já adolescentes acabam sendo vítimas de exploração sexual, passando a se prostituir.

Segundo a antropóloga e professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Lucia Helena Rangel, entre as crianças que vivem em aldeias indígenas, a desnutrição é a principal causa de morte. Em 2006, o Conselho Indigenista verificou 74 casos de desnutrição em aldeias brasileiras. Já no ano passado, o número muito mais que triplicou: 491.

?Além de desnutrição, as crianças morrem em função de diarréia e problemas das vias aéreas que acabam resultando em pneumonia. Também contribui com a mortalidade o fato de muitas aldeias ainda contarem com um atendimento médico precário?, revela.

Entre as adolescentes, muitas são impelidas à prostituição como forma de sobrevivência. O problema acontece principalmente no estado do Mato Grosso do Sul e acaba resultando em maior incidência de doenças sexualmente transmissíveis e gravidez indesejada. ?Assim como outros problemas, os que atingem a infância e a adolescência acontecem principalmente em locais onde os índios contam com poucas terras e pouca possibilidade de reproduzir sua cultura?, finaliza a antropóloga. (CV)

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