Crescem as reclamações contra abusos de funerárias

Quando uma pessoa perde um ente querido, além da tristeza, tem que enfrentar a burocracia para providenciar a documentação necessária do óbito, para o velório e para o funeral, e, muitas vezes, ainda paga antecipadamente por serviços e acaba não recebendo o que imaginava. O número de reclamações e orientações no Procon-PR referentes ao atendimento em cemitérios, funerárias e planos funerais (ou planos de luto) aumentaram 23% em 2006, com relação a 2005. Em 2006, os dados do Procon somaram 386 casos referentes ao assunto em todo o Estado. No ano anterior, foram 295.

A advogada da Divisão Jurídica do Procon, Marta Favretto Paim, explica que há um grande volume de reclamações com relação aos planos de luto – pagamento antecipado de um funeral feito nos moldes de um plano de saúde. Segundo ela, são as mais diversas situações, desde usuários que pagam por um serviço que não recebem ou planos que fazem contrato com várias pessoas que não se conhecem e quando alguém falece todos acabam tendo que pagar. Há ainda casos nos quais o consumidor paga somente pelo uso da sepultura e pensa que tem direito ao funeral completo. E para piorar a situação, na maior parte das vezes, são as empresas que estão erradas porque prometem o que não podem cumprir. ?Em geral quem faz um plano funeral tem menos condições financeiras ou são pessoas idosas. Talvez isso facilite com que essas empresas ajam de má fé?, comenta a advogada.

A advogada orienta que as pessoas devem ter muito cuidado antes de contratar qualquer serviço de plano funeral. ?É preciso ler o contrato com muita atenção. Se houver dúvidas, deve-se procurar alguém que entenda de contratos, pode ir ao Procon também que tiramos todas as dúvidas?, orienta.

A reportagem de O Estado pesquisou e não encontrou nenhum órgão que represente as empresas de planos de luto no Paraná. Mas dados do setor de Serviços Especiais da Secretaria Municipal do Meio Ambiente – órgão que cuida dos falecimentos na cidade – dão conta de que a cada mês uma média de 100 falecimentos na cidade são pagos por meio de planos funerais. Em meio às reclamações no Procon e ao grande número de pessoas que procuram o serviço, essas empresas são motivo de investigação do Ministério Público Estadual (MP) há cerca de quatro anos. O promotor de Justiça da Promotoria de Defesa do Consumidor, João Henrique Vilela da Silveira, afirma que todas as empresas de plano de luto da capital estão sendo investigadas. Porém, o promotor não informou em detalhes os motivos dessas investigações, mas disse que uma das dúvidas é se o serviço é autorizado por lei ou não. ?É uma investigação delicada, na qual temos que ouvir os clientes dessas empresas, coletar provas. São situações complicadas?. Silveira limitou-se a informar que a investigação do MP está em fase de coleta de provas e documentos e que um processo como esse pode iniciar de diversas formas, desde denúncias de consumidores até com ofícios de órgãos públicos.

Porém, em junho de 2005, investigações do Serviço Funerária Municipal (SFM) deram conta de que os planos de luto estariam prestando serviços exclusivos das funerárias e que esses serviços estariam estipulados em decretos municipais. Na época, o SFM resolveu fazer uma investigação própria enviando fiscais a velórios e sepultamentos para observarem a decoração, o modelo do caixão e fazerem perguntas a parentes. Nessa investigação, constatou-se que os planos estavam atuando mesmo com a proibição da Prefeitura. Por conta do problema, iniciaram-se outras investigações, como a do MP. A reportagem entrou em contato com o Tribunal de Justiça para tentar verificar a quantidade de processos referentes a essas empresas, mas a assessoria do local informou que seria impossível fazer o levantamento.

No Procon, o processo que surge das reclamações pode acabar em acordo em audiências conciliatórias. Caso isso não aconteça, o processo é encaminhado ao setor jurídico do órgão. Marta explica que se o consumidor estiver errado, o processo é arquivado. Caso contrário, a empresa é multada. Segundo Marta, há um número muito grande de processos que acabam em multa.

Enterros variam do modesto ao sofisticado

Walmor Trentini.

Um funeral em Curitiba não sai por menos de R$ 400. Esse valor seria para um sepultamento modesto, com caixão simples, flores em volta da metade do corpo, véu e maquiagem (das mais simples também). Um velório considerado de padrão médio custa cerca de R$ 850, e um mais sofisticado, com o valor do caixão de R$ 3 mil e com a tanatopraxia (preparo especial do corpo), custa em torno de R$ 4 mil.

Os valores mínimos que as funerárias podem cobrar estão em uma tabela do Serviço Funerário Municipal (SFM), que inclui preços de caixões e ornamentações, até documentos (no caso da pessoa solicitar que a funerária providencie os documentos necessários, como a certidão de óbito). Valores acima dos citados na tabela ficam a critério de cada pessoa. Ao chegar no SFM, quem perde um familiar ou amigo escolhe os valores dos itens. Em seguida, é realizado o sorteio da funerária que prestará o serviço. De acordo com o diretor de Serviços Especiais da Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Walmor Trentini, a funerária da vez é obrigada a oferecer o serviço no valor escolhido pelo usuário. ?Caso ela não tenha um ou outro item escolhido, é obrigada a oferecer outro no mesmo valor, não importa se é de qualidade melhor ou não?, explica.

O serviço inclui, além dos itens citados, traslado e preparo do corpo, como troca de roupas, assepsia do corpo e tamponamento. Mas o sistema de rodízio não agradava aos proprietários de funerárias. Segundo Trentini, por ter aumentado o número de pessoas que chegavam ao SFM acompanhados de algum representante de funerária foi criada uma exceção, a chamada livre escolha. Porém, o número de livres escolhas foi limitado em quatro vezes por mês. ?O que a gente quer evitar é que as funerárias fiquem correndo atrás das pessoas. Nós sabemos que nem 10% delas pesquisam preço dos serviços?. Para tanto, a pessoa assina um termo de livre escolha, alegando que não entrou no sistema de sorteio do SFM. Para o presidente do Sindicato dos Estabelecimentos de Serviços Funerários do Estado do Paraná, Gélcio Miguel Schibelben, acontecem casos em que as pessoas têm parentes que são proprietários de funerárias e que, muitas vezes, querem escolher o local que vai se responsabilizar pelo velório de seu ente querido. ?Acho que a livre escolha beneficiou as famílias?.

Fraudes acontecem até em seguro contra acidente

Familiares ou amigos de todas as pessoas que falecem em Curitiba devem passar obrigatoriamente pelo Serviço Funerário Municipal (SFM). Existem cadastradas no serviço 21 funerárias da cidade autorizadas a providenciar os velórios. Quando ocorre um falecimento, a Prefeitura realiza um sorteio eletrônico para escolher a funerária da vez. Porém, esse sistema começou a gerar alguns problemas, como o assédio de funerárias às pessoas que acabaram de perder um ente querido e também irregularidades no Seguro Obrigatório de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores (Seguro DPVAT), utilizado em caso de morte por acidente de trânsito. Esse seguro, no valor de R$ 10.300, é pago à família de qualquer vítima fatal, ou ainda às vítimas que tiveram algum tipo de seqüela ou aos acompanhantes do veículo. Há denúncias de que funerárias se oferecem para dar entrada no processo e acabam ficando com uma parte do dinheiro.

O presidente da Associação das Vítimas de Trânsito (Avitran), com sede em São Paulo, Salomão Rabinovich, confirma essas denúncias. Ele explica que a questão de terceiros se apossarem de valores do DPVAT das vítimas é nacional. ?São picaretas que se prontificam a fazer o processo mediante uma taxa de pagamento, incluindo as funerárias. Isso acontece principalmente nas cidades do interior?, afirma. Para Rabinovich, além do valor do seguro ser ?ridículo, pois não dá nem para pagar as despesas de um funeral digno?, quem passa pela situação de morte ainda tem que enfrentar a ação de pessoas de má fé. ?Acho que o valor deveria ser de pelo menos R$ 50 mil para morte e R$ 7 mil para despesas com médicos no caso de invalidez?, indigna-se. Rabinovich lembra ainda que muitas pessoas nem sabem para que serve o DPVAT. ?Nós recebemos de dez a 20 ligações aqui por dia solicitando informações do seguro?, diz.

O presidente do Sindicato dos Estabelecimentos de Serviços Funerários do Estado do Paraná, Gélcio Miguel Schibelben, nega que funerárias façam qualquer tipo de ação irregular. Ele faz questão de orientar as pessoas que gastem o dinheiro no que bem entenderem, não necessariamente com as despesas dos funerais. ?Não tenho conhecimento de nenhuma empresa se apossando deste seguro?, afirma. O SFM orienta que ninguém aceite intermediação de terceiros para dar entrada no seguro. O serviço também alerta que não é obrigatório que a vítima utilize o DPVAT nos gastos com o funeral.

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