Acessibilidade precária dificulta inserção em empresas

O mercado de trabalho está aquecido no País e se existe muita gente comemorando o fato de estar fácil achar uma vaga, há uma parcela da população bastante preocupada em conquistar seu espaço. Pessoas com deficiência estão amparadas pela chamada Lei das Cotas para Deficientes (lei federal 8.213/91), que obrigam as empresas com mais de 100 empregados a destinar determinada quantidade de vagas para este público.

Só que nem sempre as empresas cumprem a lei ou, quando fazem a contratação de pessoas com deficiência, não há um ambiente inclusivo para que estes funcionários realmente se integrem nas atividades corporativas. “Se o índice geral de desemprego é cerca de 5%, entre as pessoas com deficiência é de 95%. São mais de 11 milhões de pessoas com deficiência em idade produtiva no País e apenas 500 mil estão registradas no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged)”, comenta Andréa Koppe, presidente da Universidade Livre para a Eficiência Humana (Unilehu), entidade que ajuda na inclusão da pessoa com deficiência no mercado de trabalho.

De acordo com ela, apesar da lei e das multas aplicadas para o seu cumprimento, as pessoas com deficiência ainda enfrentam obstáculos. “A percepção de quem está contratando é de que não está preparado para lidar e que não há pessoas preparadas. As empresas tendem a achar que a presença da pessoa com deficiência vai resultar em queda de produtividade”, avalia Andréa.

De zero pra um

A superintendente do Instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoa com Deficiência (IBDD), Teresa Costa d’Amaral, acredita que houve evolução na inclusão desta população com a implantação da lei. Mas ainda é pouco. “Em uma escala, saiu do zero para o um. O grande desafio é acolher a pessoa com deficiência por sua competência, e não apenas pela lei. As empresas são obrigadas, mas há problemas na fiscalização. A empresa ainda acha que a pessoa com deficiência será um peso. Este passo em acreditar no potencial da pessoa é a grande mudança a ser feita”, declara.

A procuradora do trabalho Andrea Lino Lopes, coordenadora nacional da Coordigualdade (Coordenadoria Nacional de Promoção de Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho), enfatiza que a precária acessibilidade é uma das razões para o atual cenário de dificuldades na inclusão de pessoas com deficiência e reabilitados. “Para a empresa, é muito mais fácil falar que não pode cumprir. O que estas pessoas querem é respeito e dignidade, com o instrumental necessário. Não dá para ir trabalhar se não tem um banheiro adaptado ou tem que subir escada”, comenta. Para ela, a legislação atual é “bastante razoável” e o que precisa ser trabalhado é o estigma de pré-conceitos.

Oportunidade só após lei das cotas

A assistente administrativa Eliete Aparecida Velozo trabalha há 11 meses na unidade de Curitiba da empresa Denso do Brasil, que fabrica autopeças e componentes automotivos. Ela soube da vaga em uma feira específica para vagas para pessoas com deficiência realizada pelo Sine (Sistema Nacional de Empregos) em São José dos Pinhais, em outubro do ano passado. “Estou bastante satisfeita. Sei que entrei pela lei de cotas, mas não sinto que existe diferença comigo”, comenta.

Com o trabalho indo bem, Eliete pensa em procurar um curso para desenvolver ainda mais as suas competências. “Penso em me desenvolver dentro do setor e da empresa em que trabalho”, conta. Mas nem sempre foi assim. Diante da falta de oportunidades, ela começou a trabalhar apenas com 24 anos. “Há duas décadas, não conseguia trabalho. A gente dependia da ajuda de alguém. Sem a lei das cotas, o mercado seria mais restrito”, esclarece.

Entre 2,4 mil, empregados, a Denso possui 127 pessoas com deficiência em seu quadro funcional, atuando em diferentes setores. “Como nosso quadro de pessoas com deficiência quadruplicou no último ano, os desafios foram muitos, mas estão sendo vencidos com a criação de um programa específico, que tem como objetivo a inclusão das pessoas com deficiência”, explica Glauce Maria Costa, psicóloga da empresa e responsável pelas áreas de Recrutamento, Seleção e Responsabilidade Social.

Apesar de ainda existirem desafios quanto a acessibilidade arquitetônica, Glauce afirma que a principal acessibilidade colocada em prática foi a atitude organizacional. “Outra acessibilidade foi a comunicacional. Foi necessário desenvolver um curso interno de Linguagem Brasileira de Sinais (Libras), possibilitando que não haja barreiras na comunicação com os surdos sinalizados. Tende a ser um processo lento, pois é um idioma, o que para alguns pode ser mais complexo do que aprender inglês”, declara.

Corrida pra capacitação

A alegação de parte do setor produtivo é a falta de capacitação. Para muitas funções, nem sempre esta pode ser a desculpa para não acolher uma pessoa com deficiência. Segundo Andréa Koppe, da Unilehu, as pessoas com deficiência têm corrido atrás de oportunidades de capacitação para poder entrar no mercado de trabalho. No entanto, o problema por trás disto é maior, incluindo a exclusão do sistema de ensino.

“Muitas vezes, estas pessoas estudaram, mas não aproveitaram e não têm a mesma bagagem de outras. E isto não acontece apenas com as pessoas com deficiência. Muitos também abandonaram os estudos porque não encontraram um ambiente adaptado e se perguntaram por que deveriam estudar se não conseguem emprego. Percebemos que muitos deles estão correndo atrás. Não é uma formação acadêmica, mas que proporciona um desenvolvimento da empregabilidade que ele não tinha”, aponta.

Suellen Lima
Cegos, surdos e cadeirantes são os que mais enfrentam dificuldades.

Não é assistencialismo ou caridade!

A presidente da Unilehu, Andréa Koppe, lembra que muitas empresas ofertam apenas cargos iniciantes para as pessoas com deficiência e nem sempre promovem as mudanças necessárias de acessibilidade física e organizacional para incluir efetivamente os novos funcionários. “Muitas pessoas com deficiência possuem ensino superior e estão desempregadas porque são oferecidas vagas em cargos iniciais”, relata, lembrando que há vários cases de sucesso entre empresas para as quais nem precisaria existir a lei.

Empregar a pessoa com deficiência por apenas empregar é a saída encontrada por algumas organizações. “Mas não adianta. Existem casos que a pessoa fica sem função. Chegam ao IBDD solicitações de empresas para indicação de pessoas com deficiência ‘para ontem’ e com deficiência ‘leve’. As pessoas cegas, surdas e que usam cadeiras de rodas são as que enfrentam maiores dificuldades de colocação no mercado de trabalho”, salienta a superintendente do Instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoa com Deficiência (IBDD), Teresa Costa d’Amaral.

Para Regiane Ruivo Maturo, técnica da gerência de responsabilidade social do Serviço Social da Indústria (Sesi), o cenário atual entre as empresas é diversificado. Existem aquelas que não cumprem, as que cumprem apenas sob força da multa e as que entenderam a função de oferecer a oportunidade. “Não é assistencialismo ou caridade, mas sim a oferta de oportunidade, que queira ou não, foi negada por anos. As empresas têm muitas dúvidas. Não é uma questão apenas de cumprimento da cota, mas de mudança na cultura organizacional. O cumprimento da legislação vem como consequência”, revela.