Padaria x montadora

Pequenas, médias e microempresas são responsáveis por setenta por cento da força de trabalho do País. Perante a nossa legislação trabalhista, entretanto, uma padaria, que emprega duas ou três pessoas, com margem de lucro de centavos, tem as mesmas obrigações que uma montadora, um grande banco, ou uma multinacional que sempre conta os lucros anuais em milhões de dólares e a cada dia aumenta o grau de automatização para mais lucrar. Se a situação não fosse assim injusta, talvez o nível de emprego oferecido pelos que fazem a economia girar de verdade fosse ainda maior.

Essa é uma consideração que, segundo anuncia o ministro do Trabalho, Jaques Wagner, deveria estar no centro das intenções que norteiam as propostas da reforma trabalhista, em fase de agendamento para apresentação ao Congresso Nacional no início do ano que vem. O assunto, em primeira instância, será analisado pelo Fórum Nacional do Trabalho – outra entidade criada pelo governo Lula, reunindo empresários, trabalhadores e governo, que se instala e começa a trabalhar no dia 29 próximo, em Brasília.

Segundo Wagner, a legislação trabalhista brasileira precisa ser simplificada. Hoje é uma catedral cheia de “rococós”. Mas que não se enganem os que imaginam uma “flexibilização” para subtrair direitos e garantias dos trabalhadores. Para ele, a CLT (dia 1.º de maio ela completou 60 anos), já é flexível o bastante, permitindo que o empregador tupiniquim admita e demita quanto e quando quiser. “Se for para fazer leilão de escravos, não contem comigo”, adverte o ministro, tendo em mira prévia um suposto segmento do empresariado que defende a redução de encargos trabalhistas como condicionante para aumento do nível da oferta de empregos no País.

O desafio – e dissemos que este deveria ter prioridade sobre os demais, na linha das reformas anunciadas – está lançado e, pelo universo de interessados que abrange, terá maior repercussão que a reforma da Previdência, prestes a causar o primeiro confronto legislativo dentro do próprio governo. As questões trabalhistas e sindicais mexem com todos, empregados e empregadores, e sua reforma, em outros países, tem provocado a erupção de verdadeiros vulcões sociais, quando não derrubado governos. A Itália, por exemplo, está prestes a realizar um referendo nacional sobre a polêmica criada com a “flexibilização” de um único artigo do estatuto de seus trabalhadores – exatamente aquele que permite empresas livrarem-se da camisa-de-força que impede a demissão de empregados sem justa causa.

No sonho do ministro Wagner é necessário encontrar um meio-termo que contente a gregos e troianos: nem a intocabilidade da CLT, defendida por alguns sindicalistas com o apoio de segmentos de integrantes da Justiça do Trabalho, nem a revogação da Lei Áurea (alusão à lei que libertou os escravos no Brasil). Não se fala, por exemplo, na extinção da Justiça do Trabalho – uma estrutura que simplesmente desapareceu na Itália, o país que inspirou sua criação em terras brasileiras na época do fascismo. Aqui, a Justiça especializada reforça adjetivos para justificar sua existência, que muitos enxergam como uma das condicionantes desse arcabouço rococó nas relações entre capital e trabalho a que se refere o ministro Wagner. Além dos famosos encargos sobre a folha de pagamento, é também temendo a indústria da reclamação trabalhista formada diante das varas do trabalho País afora que muitos empresários – pequenos, médios e micros – desistem de abrir novas vagas. E, sem considerar os altíssimos índices da chamada economia informal, lá vamos nós ultrapassando a casa dos 20% no índice de desemprego!

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