Ou a Justiça do Trabalho tem soluções massificadas, ou ela nega o direito do trabalhador

O Tribunal Superior do Trabalho recentemente inaugurou novas e modernas instalações, avança no sistema de informatização, completa o quadro dos ministros nos termos da EC-45/05, agiliza as normas para a execução processual, referendando a execução das contas bancárias on-line. Contribuiu, também, na elaboração das novas leis processuais que gradativamente vão sendo sancionadas e publicadas. Entretanto, esse conjunto de importantes medidas, dentre outras que poderiam ser apontadas, não são suficientes para a superação da crise que vem se agravando face o crescimento e acúmulo de ações, com a excessiva demora na prestação jurisdicional.

O ministro Ronaldo Leal assume a presidência do Tribunal Superior do Trabalho (TST) a 17 de abril. Vem credenciado pela sua capacidade jurídica e experiência administrativa que adquiriu, em especial na Corregedoria Geral do TST. Tem por missão avançar no enfrentamento das questões processuais, assim como completar o quadro da modernização da Corte Trabalhista. O magistrado concedeu recentemente entrevista ao jornal Valor Econômico, que vem sendo amplamente divulgada diante dos posicionamentos firmados por aquele magistrado, posições importantes sobre a atual situação da Justiça do Trabalho e medidas para enfrentamento da crise que a estrangula. Dada a importância das idéias do ministro do TST, transcrevemos a entrevista concedida ao jornal, com destaques em subtítulos.

As soluções massificadas

Valor: O TST inicia no ano com uma sede nova, novos ministros, mas também convive com problemas como o grande número de processos e a alta taxa de recorribilidade interna. A ampliação da estrutura da Justiça do Trabalho pode superar esses problemas?

Ronaldo Leal: Se nós vivemos em uma sociedade de massas, as soluções de um estado-cidade acabaram. Hoje, ou a Justiça do Trabalho tem soluções massificadas, ou ela nega o direito do trabalhador. Nós estamos negando todos os dias o direito do trabalhador porque demoramos. A Justiça do Trabalho aplica uma imparcialidade em favor do trabalhador, porque o trabalhador é um desvalido econômico, político e social.

Mas, ele não perdeu sua condição de desvalia, ela foi minimizada através do agrupamento dos trabalhadores, da sindicalização. O trabalhador isolado é desvalido, não muda de condição quando entra no Poder Judiciário. Como é que vamos continuar com um sistema que obriga cada um, cada pai-herói, a entrar em juízo, a procurar um advogado, esperar a sentença, recorrer para o tribunal e recorrer para o TST. E o advogado que trabalha para os empregados é menos afeito ao recurso extraordinário.

Recursos no TST

Valor: Quem recorre ao TST é a empresa?

Leal: Claro! Ou seja, a empresa não quer saber de qualquer solução massificada ou qualquer restrição ao acesso ao TST. Quer trazer um por um dos processos.

Valor: Isso é vantagem por quê?

Leal: É maravilhoso. Imagine só, se o trabalhador morre antes de receber qualquer coisa, afinal um recurso no TST demora 5 anos. Este é um dos dois pontos de estrangulamento da Justiça do Trabalho: O TST. O outro é a fase de execução. Valor: O funcionamento do TST contribui pra isso?

Leal: Sim, hoje os recursos de revista são apresentados indiscriminadamente, e quem sabe recorrer vem pra cá. Quando não é aceito o recurso de revista – que é analisado pelo presidente do tribunal – o advogado entra com o agravo de instrumento e vem pra cá. Então o TST fica entupido dessas causas protelatórias, que poderiam ser na verdade resolvidas lá embaixo. Precisamos revalorizar o juiz de primeiro grau e os tribunais regionais. E dar ao TST o papel que ele deve mesmo ter: o de unificador de jurisprudência.

Valor: Então é preciso criar novos filtros para impedir a chegada de processos?

Leal: Temos que criar novos filtros. O TST é um dos pontos de estagnação do processo.

O estrangulamento da execução

Valor: E quanto à execução?

Leal: É o outro ponto de estrangulamento. Quando eu era corregedor, lutei muito pelo sistema Bacen Jud. Há um mito de que o Bacen Jud é só da Justiça do Trabalho, é na verdade de todo o Judiciário. Mas ele casou muito bem com a Justiça do Trabalho. Porque o hipossuficiente é o destinatário da prestação e o devedor é o todo-poderoso empregador. Se você consegue bloquear uma conta bancária de um devedor, ele está muito mais persuadido a acabar com aquilo. Porque do contrário ele indica à penhora quatro pneus furados e um trator que se encontra em uma propriedade rural não-sei-onde. A lei estabelece que o primeiro bem a ser penhorado é o dinheiro.

Valor: Mas isso não entra em contradição com o princípio da penhora do bem menos gravoso ao devedor?

Leal: Esta norma não se aplica ao processo do trabalho. O princípio do bem menos gravoso ao devedor significa: vamos privilegiar quem não quer pagar. Quando eu era corregedor criei um cadastro em que as empresas podem indicar uma conta única para sofrer bloqueio. As grandes empresas nacionais, todas elas, se cadastraram na corregedoria.

Mas por que as grandes não pagam logo, e preferem se cadastrar para sofrer bloqueio? Porque elas têm os meios processuais ao seu dispor para adiar a entrega do dinheiro ao trabalhador. Eu não sou contra a empresa, veja bem, só estou olhando um contexto da Justiça do Trabalho. Nesse contexto, se a norma estabelece alguma vantagem, a empresa, que é um ser capitalista por natureza, vai aproveitar essa vantagem. O juro do crédito trabalhista é de 1% ao mês, ou 0,5% ao mês, dependendo da situação. Mas o juro do crédito tributário é taxa Selic.

Se a empresa não tem dinheiro para pagar os dois, o que faz: vai pagar o crédito trabalhista, que cobra 0,5% ao mês, ou vai pagar o crédito tributário, que vai cobrar de juro a taxa Selic? A empresa vai optar por pagar o crédito tributário. O ministro Vantuil Abdala, já no tempo que era vice-presidente do TST, sugeriu taxa Selic para o crédito trabalhista e duas vezes a taxa Selic na execução. O projeto está tramitando no congresso. Tramitando há muito tempo. Não passa porque há forças que não deixam passar.

Valor: Quando à execução, o que mais precisa ser feito?

Leal: Nós precisamos da massificação da execução, da execução coletiva. Eu sou a favor de qualquer massificação do processo. Se o trabalhador A, B, C, D tem o mesmo tipo de lesão, quem defende o direito deles é o sindicato, que faz a defesa coletiva. A execução pode ser conjunta, bastando haver um contador habilitado para fazer o levantamento coletivo, e julga em massa. O empregador vai impugnar o valor de um ou de outro trabalhador, mas o resto passa.

Controle concentrado

Valor: Então a saída é a massificação de todo o processo?

Leal: Sim, e há uma outra saída massificadora ainda, que é o controle concentrado. Haveria um controle concentrado do alcance do sentido de uma norma que seja extremamente onerosa. Determinadas figuras legitimadas, como as definidas para a ação direta de inconstitucionalidade (Adin), poderiam entrar diretamente no TST. Poderiam pedir uma interpretação do alcance do sentido da lei previamente.

Valor: Mas haveria realmente impacto no volume de ações que chegam ao TST?

Leal: Sim, por exemplo bancários, eles têm uma quantidade imensa de causas. Mas tal como a Adin até há pouco tempo, não teria efeito vinculante para as instâncias inferiores. Nós teremos que nos conformar com o caráter não vinculativo do nosso controle concentrado. Ele serviria apenas como emulação, idéia geral do que o tribunal superior iria fazer quando a causa chegasse lá.

Valor: Mas não seria igual a uma súmula?

Leal: A súmula é semelhante, mas ela só vai ser baixada depois que a ação já tramitou na vara, no tribunal, muitos anos, e muitas causas que se repetiram aqui por muito tempo?.

O que fazer?

As idéias do ministro Ronaldo Leal devem ser projetadas no concreto do dia-a-dia da advocacia trabalhista, hoje uma das mais numerosas. A OAB e as entidades representativas dos advogados laboralistas, dos magistrados e dos procuradores do trabalho, as entidades sindicais de empregados e empregadores, têm a oportunidade de convocar debates sobre a temática da crise da Justiça do Trabalho, discutindo as proposições com a nova direção do TST e com o Conselho Nacional de Justiça. A Justiça do Trabalho recebe mais de dois e meio milhões de novos processos a cada ano, média superior a mais de mil por juiz na primeira instância. O estrangulamento no trâmite da ação atinge seu auge no TST, onde julgamentos esperam muitos anos. O ano em curso será pródigo no debate de programas eleitorais, de governo e de proposições legislativas. A crise institucional possibilita intervenção mais direta da sociedade na exigência de soluções concretas dos que se propuserem a governar e a legislar. A Justiça do Trabalho deve ser ponto desse debate, visando que partidos e candidatos assumam compromissos relacionados com o segmento do sistema de resolução dos conflitos trabalhistas.

E.mail: edesiopassos@terra.com.br

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