Os significados do pacto social

Introdução

Sempre que um país debate-se com uma situação profunda de crise econômica, e política, gerando enorme insatisfação no povo, tem surgido, modernamente, o recurso à figura do chamado pacto social.

Trata-se de um instituto relativamente novo, e ainda de doutrina em construção.

Voltando-nos ao Brasil, no período em que foi José Sarney presidente da República, invocou-se esse tema muitas vezes, tentando inclui-lo na ordem do dia das reformas políticas, como podemos lembrar.

Naquela época, não se conseguiu alcançar qualquer efeito conseqüente para canalizar a insatisfação popular, apresentando soluções efetivas à crise. Recorde-se, ainda, que, embora por breve período, o miraculoso plano cruzado pareceu nossa pedra filosofal para eliminação de problemas, levando a grande parte da população à euforia do acesso fácil aos bens de consumo.

Agora, ao final de uma renhida campanha presidencial, onde se debateram os grandes problemas sociais, recebemos acenos à possibilidade de dar-se início a uma grande negociação nacional para que se possa atingir um pacto social.

Conceito

Partindo da premissa das idéias básicas de planejamento social (definição das metas e meios adequados para alcançá-las) e do consenso (participação da sociedade, por seus representantes, na elaboração desse plano), Amauri Mascaro Nascimento conceitua o pacto como “o autoplanejamento, pela própria nação, das linhas básicas que, pelo consenso dos interlocutores sociais e do Estado, constituirão o programa de ação para o País” (A negociação coletiva no contexto democrático – sistema brasileiro e avaliação de experiências pós-corporativas estrangeiras. Revista LTr. Vol. 49, n.º 10, outubro de 1985. p. 1.180).

José Augusto Rodrigues Pinto entende o pacto social como “um acordo de vontades, estabelecido entre o Estado e as representações de trabalhadores e empresas, para determinar uma ampla política econômica de equilíbrio da produção e do emprego, que sirva de base para a normatização coletiva das condições de trabalho pelas respectivas categorias” (Direito sindical e coletivo do trabalho. São Paulo: LTr, 1998. p. 198).

Origem e disseminação

Remotamente o pacto social não tinha relação com estados agudos de crise econômica, mas envolvia a conveniência de articulação política de governo com o conteúdo jurídico da relação trabalhista. Os mais antigos foram aqueles realizados em 1899 na Dinamarca e em 1902 na Noruega, conforme indica José Augusto Rodrigues Pinto (Direito sindical e coletivo do trabalho. São Paulo: LTr, 1998. p. 196-197).

O mesmo autor refere que esse tipo de prática de negociação coletiva, das bases da relação de trabalho, foi absorvido pela Alemanha, especialmente após a II Guerra Mundial, e estendeu-se aos demais países extremamente industrializados da Europa (Inglaterra, França, Itália, Espanha, Bélgica) e do Extremo Oriente (Japão). – (Ob. e p. cit.).

Explicita Cassio Mesquita de Barros que “a última publicação da Organização internacional do Trabalho inclui 36 exemplos de Pactos Sociais. Embora a maioria seja da Europa, ali estão países africanos, como o Quênia, o Paquistão, as Filipinas, a Índia, Malásia, Singapura, a Tunísia, a Colômbia que em 1981 celebrou seu Pacto Social” (Pacto social e a construção de uma sociedade democrática. Revista LTr. Vol. 52. N.º 03. março de 1988. p. 283).

Esclarece esse professor que o México, em 1983, também já firmou seu acordo básico com declarações autenticamente conjuntas e “talvez por isso tenha conseguido um avanço no equacionamento da dívida externa” (ob. e p. cit.).

Legitimação

Há que se ter em conta, também, a necessária, e indispensável, legitimação democrática dos interlocutores, “tanto das centrais sindicais representantes dos trabalhadores, através de um processo democrático de eleição, como das associações empresariais que se sentem à mesa de negociação (…), e, obviamente, o mesmo tipo de legitimidade do processo surgido das eleições gerais diretas, nas quais disputem todos os partidos políticos” (LÓPEZ-MONIS, Carlos. Os pactos sociais na Espanha. Obra coletiva em homenagem ao ministro Arnaldo Süssekind. Coordenação João de Lima Teixeira Filho. São Paulo: LTr, 1989. p. 114).

Conteúdo

Quanto ao conteúdo dos pactos, é muito amplo, e também heterogêneo, podendo ser sintetizado, segundo Cassio de Mesquita Barros, no seguinte: “1) regras de conduta para o combate a inflação e ao desemprego; 2) medidas de ordem econômica para alcançar esse objetivo; 3) diretrizes para a convenção coletiva; 4) diminuição da conflitualidade entre os atores sociais; 5) reestruturação de organismos sociais e institutos trabalhistas com vistas a adaptá-los a novas exigências da economia” (Pacto social e a construção de uma sociedade democrática. Revista LTr. Vol. 52, n.º 3, março de 1988. p. 284-285).

Diferença entre pacto social e concertação social

O pacto social representa “a instrumentação formal de um processo de negociação coletiva deliberadamente instalada para alcançá-la”, enquanto a concertação social é “apenas a troca informal de pontos de vista que possam dar lastro a normatização estatal ou profissional” (PINTO, José Augusto Rodrigues. Direito sindical e coletivo do trabalho. São Paulo: LTr, 1998. p. 199).

Para Cassio Mesquita de Barros “a doutrina considera, hoje, a concertação social um processo enquanto que os Pactos Sociais, acordos básicos resultado de discussões e contratos que podem ou não resultar de um sistema de concertação social. O foro onde o sistema de concertação social se desenvolve é muito informal e até pode não existir” (Pacto social e a construção de uma sociedade democrática. Rev. LTr. Vol. 52, n.º 03, março de 1988. p. 283).

Conclusões

Imagina-se que o direito do trabalho modernamente passará de um direito de redistribuição a um direito de produção da riqueza (Romagnoli), levando a três tipos ideais, e diferentes, de flexibilização (Valverde): a) supressão pura e simples da legislação protetora de condições mínimas; b) compensação dos mínimos legais, com o reforço dos instrumentos de representação coletiva dos trabalhadores; c) introdução de reformas ou correções normativas que moderam o acervo da legislação trabalhista (Bengolchea), conforme lecionou Orlando Teixeira da Costa (Direito Coletivo do Trabalho e Crise Econômica – São Paulo: LTr, 1991. p. 36-37).

Tomando-se em linha de conta as assertivas trazidas no texto postas à apreciação da comunidade jurídica, podemos dizer que o pacto social é uma possibilidade desejável no Brasil, justificando-se com as razões de Antônio Rodrigues de Freitas Jr: “1) a possibilidade de adensamento da agenda democrática nas instituições brasileiras, pela ampliação dos veículos de participação social direta nas decisões dos poderes públicos, bem como de regramento negociado do comportamento dos atores sociais; 2) a possibilidade de que constitua fórmula menos onerosa de superação do corporativismo sindical no Brasil; 3) sua utilidade como veículo para a concertação de iniciativas tendentes a regulamentar direitos e garantias instrumentais previstos na Constituição de 1988” (Conteúdo dos pactos sociais. São Paulo: LTr, 1993. p. 169-170).

Não se considera, de modo algum, o pacto social “uma panacéia para nossas carências e dificuldades”, como refere o autor antes citado, mas serve para recordar o que disse o ex-líder sindical e candidato à presidência Luís Inácio Lula da Silva, já em 13.08.93: “O direito do trabalho outrora era o direito do patrão, hoje é o direito do Estado, amanhã será o direito das partes”.

Isso tudo para se acreditar na mudança e nas palavras poéticas do paranaense Domingos Pellegrini Júnior: “É preciso trabalhar todo dia, toda madrugada, para mudar um pedaço de horta, uma paisagem, um homem. Mas mudam, essa é a verdade”.

Luiz Eduardo Gunther

é juiz no TRT da 9.ª Região. Cristina Maria Navarro Zornig é assessora no TRT da 9.ª Região.

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