Os números desmentem

Na propaganda dos candidatos a presidente da República, há sempre uma profusão de promessas. Algumas delas citam números, como a geração de tantos mil empregos, redução em tanto por cento das taxas de juros, dobrar ou mesmo triplicar o salário mínimo e melhoria considerável nas aposentadorias, só para darmos alguns exemplos. Uns mais, outros menos, todos os candidatos fazem promessas, alguns até apontando para hipotéticas fórmulas e fontes de recursos para cobrir as despesas decorrentes. Em geral, nem apresentam fórmulas e muito menos recursos, como se isso fosse dispensável. Ou apontam recursos consignados no orçamento, como se este não fosse uma mera previsão de receitas, no Brasil quase sempre amarradas a determinados tipos de despesas, cujo volume é apenas estimado. A lei orçamentária mantém contingenciamentos que deixam aos governantes pouca massa de manobra. Isso para não se falar numa frustração de receitas ou em despesas orçadas a menor e que acabam estourando qualquer rubrica orçamentária, por mais generosa que seja. Fatores externos também ajudam a transformar tais promessas em hipóteses, muitas vezes pouco prováveis, dependendo do grau de irresponsabilidade de quem as faz. Muitas vezes, a idéia é ganhar as eleições prometendo mundos e fundos, não importa se depois se saberá como cumprir e com que dinheiro bancar a conta.

Aproveitam-se tais candidatos da dificuldade do eleitorado de entender as intrincadas coisas do orçamento e da economia. Esta, quando há uma crise, pode frustrar até as melhores intenções dos governantes. Na semana passada, uma emissora de televisão fez uma enquete com pessoas de diversas classes, perguntando quais os Poderes da República. Raros souberam dizer que são Executivo, Legislativo e Judiciário. Menos ainda souberam dizer o que cabe a cada um deles fazer. Se a enquete se referisse a orçamento, receitas e despesas, mais pífio ainda seria o resultado da enquete, pois aí se estaria pisando num terreno que mesmo muitos políticos profissionais brasileiros pouco ou nada entendem. Há o ditado que os números nunca mentem. Verdade também que os números muitas vezes desmentem.

O segundo governo Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, lançou o programa Avança Brasil, contendo nada menos de 387 importantes projetos de interesse da população. Não se cogita sobre se o governo estava ou não mentindo quando prometeu tantos projetos. Provavelmente não estava. Mas a verdade é que a crise econômica reduziu os 387 projetos do Avança Brasil para apenas 24. No ano passado, a escassez de recursos já havia obrigado o governo a restringir para 64 as iniciativas do projeto, que, quando lançado, diziam ser “o início da trajetória rumo ao desenvolvimento”.

A experiência frustrada do atual governo, vítima de uma crise de múltiplas origens, inclusive exógenas, deve servir de advertência para os candidatos à sucessão de FHC e principalmente para o eleitorado. Inevitável que, em campanha, os candidatos prometam. Mas que o façam com comedimento, explicando como pretendem executar o que prometem e de onde sacarão os recursos. E ainda busquem prever as dificuldades que enfrentarão para realizar tais promessas, mesmo que bem escudadas em projetos e recursos orçamentários. É preciso que o povo saiba que, por enquanto, as boas intenções estão apenas no papo e no papel.

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