Os culpados morreram

As investigações para descobrir os culpados do desastre com o avião da TAM no Aeroporto de Congonhas caminham para um desfecho. Um final que interessa a muita gente que tem culpa em cartório, pois as caixas-pretas do avião estariam indicando falha humana. E sendo falha humana, o comandante e talvez também o co-piloto sejam indigitados como culpados. Como já morreram, não poderão se defender. Livram, assim, a cara de tantas autoridades e burocratas que, de uma forma ou de outra, contribuíram para a terrível catástrofe que ceifou duas centenas de vidas. E deixou dor irreparável em tantas famílias, inclusive as da tripulação que também perdeu a vida no acidente. A caixa-preta estaria indicando falha do piloto. O computador de bordo teria registrado erro na operação da alavanca de aceleração das turbinas. A hipótese de falha mecânica não está descartada. Um manete estaria em posição de aceleração e o outro em ponto morto. A pressa em colocar a culpa em quem já morreu ignora que outros fatores contribuíram indubitavelmente para o desastre. A pista curtíssima não permitiu que o comandante tivesse tempo de verificar eventual equívoco e corrigi-lo. A chuva tornou a pista escorregadia. Embora os burocratas insistam que isso não acontecia, nada menos de onze pilotos reclamaram antes do acidente das condições da pista, que estava escorregadia. Quanto a ser curta e o pouso no Congonhas sempre uma operação perigosa, nenhum deles nega. Sempre lá pousaram com o coração na mão.

Em alguns casos, os pilotos chegaram a informar à torre de controle sobre dificuldades no pouso em conseqüência da pista estar ?muito escorregadia?. Uma aeronave da Pantanal, no dia anterior ao acidente do Airbus, derrapou na pista e foi parar na grama. Dias antes um avião executivo transportando um parlamentar saiu da pista e foi cheirar a avenida que passa exatamente no final da pista. Lá onde houve o terrível acidente.

Ninguém nega também que a pista principal de Congonhas é curtíssima, não tinha e agora tem improvisadas e inacabadas as ranhuras que ajudam a frenagem das aeronaves e que freqüentemente vinha empoçando água, tornando o final da navegação aérea uma espécie de surfe.

De que vale nos atermos só aos dados da caixa-preta que apontam como culpados os pilotos quando é certo que outros fatores – e não poucos – contribuíram para o desastre ou dificultaram que ele fosse evitado? Buscar culpados não é o objetivo principal no qual se devam focar as investigações. É evidente que eles têm de ser apontados e se merecerem reprimendas ou mesmo punições que lhes sejam aplicadas. Mas não podemos nos esquecer que punições como castigo de nada valem. Valem, sim, quando produzem mudanças de conduta, maiores responsabilidades capazes de evitar a repetição dos erros ocorridos. As penas são, pelo menos teoricamente, para recuperação dos que infringem as normas legais. As que forem aplicadas, no caso do acidente da TAM, precisam servir como lição, como indicação de que providências e cuidados devem ser tomados para que desastres como esse não voltem a ocorrer.

E tudo indica que ocorreram várias falhas que precisam ser doravante evitadas. É indispensável dotar as pistas de Congonhas de condições de segurança, áreas de escape, sistemas de drenagem, de facilitação de freamento e principalmente de redução do movimento de aeronaves de acordo com as limitadas condições daquele aeroporto. Quanto aos pilotos que as caixas-pretas denunciam, não nos esqueçamos que também foram vítimas. E que suas famílias sofrem, como as das demais vítimas, suas irreparáveis perdas.

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