Ordem é mudar

Mudança. Este o comando principal do discurso do “servidor público número um” do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, o retirante nordestino que virou torneiro mecânico na cidade grande e, por decisão do povo, tornou-se o 36.º presidente da República Federativa do Brasil. Já no comando, decretou a escritura de um novo capítulo na História do Brasil, cheio de esperança e vontade. Transformemos – repetiu solenemente em seu longo discurso de posse – o fim da fome em grande causa nacional, como foram a criação da Petrobras e a luta pela redemocratização.

Mas mudar o quê? As primeiras linhas do discurso de Lula foram um pouco ácidas demais para definir o que precisa ser mudado. Elas contrastam com a avaliação bastante serena de nossa situação, feita pelo presidente que saía, Fernando Henrique Cardoso, que, queiramos ou não, deu novo status à nação brasileira, a ponto de ser premiado pela Organização das Nações Unidas exatamente pela obra de governo desenvolvida no campo social. Lula se referiu ao “esgotamento de um modelo que, ao invés de gerar crescimento, produziu estagnação, desemprego e fome”. Reverberou o “fracasso de uma cultura do individualismo, do egoísmo, da indiferença perante o próximo, da desintegração das famílias e das comunidades”.

Mais: na avaliação do ex-metalúrgico sindicalista, somos uma nação cuja soberania está ameaçada, enquanto aqui dentro vivemos uma “precariedade avassaladora da segurança pública, do desrespeito aos mais velhos e do desalento dos mais jovens”. Devido a esse impasse, não apenas econômico, mas também social e moral – assim ele quer -, é que a sociedade o elegeu presidente, encarregando-lhe da obra da mudança.

Temos que o presidente Lula está coberto de razão quando diz que a mudança é um processo gradativo e continuado e não um simples ato de vontade, nem um arroubo voluntarista; que essa mudança, para que o resultado seja consistente e duradouro, deve vir através do diálogo e da negociação, sem atropelos ou precipitações, com humildade e ousadia. Também podemos concordar que mudanças constituem o sonho de muitas gerações. Aduziríamos ser natural que o sonho haverá de continuar mesmo depois de Lula, bem ou mal sucedido em seus sacrossantos propósitos.

Em nome da humildade apregoada, entretanto, convém que se acrescente ao discurso feito num dia de festa, com cheiro de povo e cheio de fortes emoções, que as mudanças ordenadas do palanque não acontecerão conjugando verbos na primeira pessoa, nem serão obra de um único nome – seja ele Tizio ou Simprônio -, por mais predestinado seja o salvador. Convém também que o olho não seja tão vesgo a ponto de não enxergar o que de bom foi realizado pelo esforço inegável dos que nos precederam, também eles cheios de sonhos, compromissos e de esperanças.

No mais – e excluindo a referência à chance única que traz à lembrança a única bala de Fernando Collor – quer nos parecer que o discurso de Lula precisa ser guardado como um documento de consulta obrigatória a cada ato praticado pelo governo que começa. Já acabar com a corrupção, a sonegação, os privilégios e o desperdício seriam mudanças suficientes para ligar os motores do desenvolvimento rumo a uma “nação com a qual a gente sempre sonhou”.

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