Omertà no Planalto

Foi um dia de silêncio no Planalto a última terça-feira. Prometia chuvas e trovões. Acabou numa calmaria de doer. Ao depor na Polícia Federal, cercado de todos os cuidados e precedido de toda publicidade, o meliante Waldomiro Diniz, ex-braço-direito do ministro José Dirceu, da Casa Civil, só soube dizer que se resguarda para responder diante do meritíssimo juiz. De cinqüenta, uma única pergunta ele respondeu: disse ser funcionário público de profissão. E mentiu. Pois, a pedido, já não é mais.

Era de se esperar. Ficar em silêncio faz parte do jogo e, assim, o ex-assessor parlamentar mostra-se ainda “digno” do cargo que ocupava. Protege não apenas a pele e o cargo do chefe imediato, como, de resto, todo o governo que – deu para perceber – respirou aliviado e fundo. Waldomiro deve saber de muitas coisas, mas, a menos que…, não esperem dele grandes revelações. Nem explicações. Como explicar, por exemplo, ter sido ele o primeiro integrante do novo governo, 42 dias antes da posse, a anunciar certeza de que iria assumir o importante cargo que lhe notabilizou? Mais: que essa informação circulou em newsletter distribuída exatamente a donos de bingos e casas lotéricas, além de fabricantes de equipamentos para máquinas de jogos eletrônicos?

O jogo de xadrez que vai sendo montado dia após dia apenas gera novas garantias de que o ministro José Dirceu, não apenas sabia o que o subordinado fazia, mas concordava com tudo quanto ele fazia. Pois quem cala, consente. Não fosse isso, teria afastado o amigo um ano atrás, quando apareceram as primeiras denúncias. Ou, mesmo, sequer o teria nomeado, já que a coisa vem mal contada (aliás, muito bem contada) desde os tempos de campanha. Dizer, como disse, que foi traído, é mesmo subestimar a capacidade intelectiva de milhões de brasileiros. Por acaso Dirceu não fora informado sequer do relatório da Polícia Federal que, ainda no ano passado, apontava para gravíssimas irregularidades na gestão de Waldomiro frente a Loteria do Estado do Rio de Janeiro – Loterj? O mesmo José Dirceu não chegou a ler em jornais antigos que ele teria sido o mandante de uma “operação abafa” quando o ex-governador Anthony Garotinho perseguia um fio criminoso ligado à máfia italiana e seu lóbi em favor da empresa Gtech, que depois acabou abocanhando a operação dos jogos da Caixa Econômica?

Mas o silêncio mais sentido no Planalto na mesma terça-feira da omertà foi a de um senador que, no dia anterior, prometera derrubar montanhas com terríveis denúncias que faria da tribuna. Can che abbaia non morde (cão que muito late não morde), diz um velho ditado. E é verdade. Pois o senador Almeida Lima só conseguiu tirar o sono uma única noite do ministro José Dirceu, seu alvo anunciado. Que aconteceu de um dia para o outro para que o senador mudasse de idéia? Ou é um tremendo canastrão! Eis aí outra pergunta que se junta às tantas que o povo brasileiro já coleciona nestes tempos de esperanças abatidas.

Curiosamente, o único barulho mais contundente foi produzido pelo próprio José Dirceu que, na voz do senador Jefferson Peres, líder do PDT, subiu à tribuna nas letras de um artigo escrito em 2000, quando o PT queria uma CPI para investigar a denúncia de que o então secretário-geral da Presidência, Eduardo Jorge (contra quem, a rigor, não pesavam denúncias), teria tido conversa telefônica com o juiz Nicolau dos Santos, o Lalau do Fórum Trabalhista paulistano. “Vejam como é engraçada a vida pública brasileira!” – exclamou o senador. “Que belo teatro é esse!”

Fazemos nossas suas palavras, pois enquanto o Planalto se cobre de silêncio, elas refletem exatamente o que se pensa na planície: o País vive uma crise. Uma pessoa situada na ante-sala presidencial foi flagrada cometendo atos de corrupção e a nação quer saber, a sociedade brasileira toda quer saber, o que há por trás disso: o que mais aquele cidadão fez, em nome de quem, envolvendo quem? Ou não quer? A omertà – ensinam os livros – é uma característica das máfias. Não da democracia.

Voltar ao topo