O último prazo

Termina hoje – e adianta-se que não haverá prorrogações – o prazo dado aos trabalhadores para assinar o termo de adesão ao acordo firmado entre o governo e as centrais sindicais para o pagamento das diferenças do FGTS – Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, referentes a expurgos ocorridos no final da década de 80 e início de 90. Quem aderiu sabe como, quanto e quando haverá de receber; a quem não aderiu, a partir de hoje resta o caminho da Justiça. Ou do prejuízo total.

O acordo refere-se aos planos Verão, de janeiro de 1989 (prejuízo de 16,65%) e Collor I, em março de 1990 (prejuízo de 44,8%). Há ainda o plano econômico Collor II, mas ele não foi levado em consideração no maior acordo já celebrado pela história do sindicalismo brasileiro. Desde a primeira hora, é grande o número de trabalhadores que correram atrás do prejuízo, mas ainda agora é considerável o número daqueles que não fizeram nem uma, nem outra coisa.

É preciso levar em consideração que o acordo resolveu muitos problemas. Mais do governo e da Justiça que dos proprietários de contas vinculadas. A via do entendimento foi buscada quando o governo viu que, sentença após sentença, estava perdendo todas as ações e que a conta ia ficar bem maior que imaginava. No acordo, além da economia quanto aos valores finais, barganhou prazos. De lambuja, abocanhou mais um percentual que vai de 8% a 15% (o chamado deságio) daqueles com contas maiores a receber. Tudo sem juros anuais, à época como agora, altos.

O FGTS rouba o trabalhador desde o início. À época do falecido BNH – Banco Nacional da Habitação, as correções eram apenas trimestrais e feitas, sempre, no final do trimestre seguinte. Mas, ao que se sabe, ninguém questionou até hoje essa verdade. O BNH desapareceu em meio a denúncias até hoje não apuradas de grossa corrupção, enquanto as verbas do fundo eram usadas para financiar muito mais o luxo (e a gula de muitos políticos) que a pobreza brasileira a que se destinava pelo discurso recorrente do regime militar. Tem gente rica morando em zonas habitacionais de bom gabarito, cujas ruas foram pavimentadas com recursos a fundo perdido do FGTS negado à erradicação de favelas e cortiços.

Águas sujas e passadas, importa mais saber o que é feito hoje dessa fonte caudalosa de dinheiro coletivo. Mas, vira e mexe, é ainda motivo de denúncias de malversação nas mãos do governo e de sindicatos, que não conseguem também fiscalizar o que é feito de outra fonte de recursos que ao trabalhador pertence – o FAT, Fundo de Amparo ao Trabalhador, com hora certa para sair do contracheque, mas de regresso sempre duvidoso e nunca claramente especificado.

Roubado de um lado, o trabalhador segue enganado de outro. Antes, no início das adesões ao acordo, argumentava-se que este era o melhor caminho, já que na Justiça os processos seguiriam a rotina dos recursos obrigatórios que caracterizam as ações contra o Estado. Agora a Caixa Econômica Federal, (in)fiel depositária desse dinheiro que não lhe pertence, anuncia que abriu mão de recorrer, em qualquer instância, para facilitar o trâmite das ações na Justiça. Ótimo. Mas mesmo que o recurso se refira apenas aos planos Verão e Collor I, objetos do “acórdão”, isso demonstra quanta razão têm aqueles que não acreditam no discurso oficial, nem nas instituições. Estas, se sérias fossem, como deviam, jamais teriam a desfaçatez de roubar dos cidadãos o que a eles é de direito; aquele, se de honestidade fosse revestido, não usaria a alquimia de meias palavras para induzir decisões em favor do erário público. Pois se a Caixa tivesse desistido de recorrer desde o início, decerto muitos não teriam aderido, preferindo a via do processo para perder menos dinheiro.

Vê-se assim que, ainda no último prazo, o comportamento do governo e seus agentes confirma a falta de seriedade com que são tratadas matérias de importância direta para o bolso dos cidadãos brasileiros.

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