O trono do réu

A moral varia de acordo com a latitude e a longitude. E, por vezes, fatos com implicações morais mudam com o tempo, sem alterações geográficas. Nos Estados Unidos, onde sempre houve um sentimento generalizado, e não raro hipócrita, de puritanismo, um senador seria severamente punido, se não pelos tribunais, pelo menos pela opinião pública, se fosse revelado que não se comportava em sua vida privada como mandam os figurinos. A descoberta de um político de alto padrão casado e que tinha amante resultaria em sua cassação ou pelo menos renúncia. No Japão, faria haraquiri. Mas Clinton andou aprontando com uma estagiária, em pleno Salão Oval da Casa Branca, manchando a pretendida imagem da sede do governo do país mais poderoso do mundo e até sua esposa, a atual senadora Hilary Clinton, o perdoou. A carne é fraca até no poderoso EUA.

Aqui no Brasil a coisa é diferente. Talvez a opinião pública julgasse negativamente um político que apresentasse um comportamento puro. Poderia ganhar graciosa e injustamente fama de gay. Fama que hoje já começa a não ser mais uma crítica negativa, pois a tendência é condenar a homofobia. Assim, nada a criticar no caso Renan Calheiros, presidente do Senado Federal, quando se revela que teve uma amante e com ela uma filha. Já foi o tempo em que Senado era a casa dos parlamentares velhos. E se velhos há, podem ser libidinosos sem condenação mais séria. São os nossos usos e costumes, variando no tempo. Porque no espaço sempre houve permissibilidade.

Aliás, nem a esposa de papel passado do senador o condenou. Pelo menos não o fez de público, pois compareceu à sessão do Senado em que ele confessou o deslize e se defendeu da acusação de que teria sustentado a filha adulterina com pensão paga pela construtora Mendes Júnior, por intermédio de um seu lobista. Há, de parte do senador alagoano, um posicionamento de todo elogiável. Ele leva à mesa legislativa que preside carradas de desmentidos, confessa o deslize conjugal, aceita a paternidade fora do casamento, a obrigação de sustentar a filha natural e se propõe a proporcionar à menina todos os benefícios que reserva a seus filhos legítimos. Um posicionamento desta ordem pode até ter a condenação de um severo moralista, mas nunca de um verdadeiro brasileiro.

Suas declarações estão sempre lastreadas por montes de documentos. São extratos bancários, recibos e o que mais diz ter para provar que sempre pagou as pensões do próprio bolso. Até o lobista da Mendes Júnior confirma isso, embora o advogado do ?caso? de Renan Calheiros conteste. O senador diz que o dinheiro foi depositado na conta corrente da mãe da criança e o advogado da moça fala em pagamentos em dinheiro vivo.

Há uma corrente de boa vontade para com Renan Calheiros. O corregedor do Senado, Romeu Tuma, começou a apreciar os documentos, declarações e fatos porque a comissão de ética não estava formada. E foi logo adiantando que não acreditava em responsabilidades do seu investigado. Formada a comissão, foi eleito para sua presidência o petista Sibá Machado, homem da turma de José Sarney, que, por sua vez, é da turma de Renan. A primeira decisão de Sibá foi adiar tudo, ou seja, dar tempo ao tempo. Assim, Tuma se adiantava pré-julgando por inocência. E Sibá pretendia deixar para depois sem nenhuma justificativa válida.

Mas tudo aconteceu como deveria acontecer. A comissão de ética, uma vez instalada, abriu o procedimento investigatório contra Renan Calheiros e agora a coisa vai andar até a absolvição. Ou será que seremos surpreendidos com uma decisão contrária? Improvável! Estatisticamente impossível.

Mas é de se lamentar, de qualquer forma, o posicionamento de majestade de Renan Calheiros. Ele vai ficar sentado no trono de presidente do Senado, enquanto julgado. Nega-se a ir para o banco dos réus porque se proclama inocente. Como se nunca um inocente tivesse sentado no banco dos réus, até mesmo para ver proclamada a sua inocência.

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