O sucessor de Palocci

Quando recebemos uma crítica de setores aliados e simpatizantes, naturalmente pensamos: bem, erramos alguma coisa, então temos de trabalhar melhor. E absorvemos bem a crítica. A sabedoria é de Olívio Dutra, o ministro de Cidades, escalado pelo Planalto para fazer contraponto às críticas que brotam da boca de um bispo ao principal – e por enquanto quase único – projeto do governo federal, o Fome Zero. Olívio, com seu conhecido bigode, é o responsável pela parte Sede Zero do programa anunciado pelo presidente Lula ainda antes de sua posse, e terá que construir cisternas para captar as águas da chuva no Nordeste ressecado. Sem nenhum trocadilho, está primeiro construindo instâncias para poupar a energia do governo, sob fogo cruzado sem ter ainda completado o primeiro mês.

O bispo já é conhecido – dom Mauro Morelli, de Duque de Caxias, Rio de Janeiro. Para ele, não é assim que se deve fazer as coisas. Primeiro, segundo ele, o governo tratou de colocar goela abaixo da população um programa sem ao menos discutir-lhe o nome. O prelado preferia outro, pois o problema, segundo ele, não é a fome (que considera até uma coisa boa), mas é não ter comida, não ter cidadania. “Alguém sabe qual é o programa Fome Zero?”, perguntou o bispo, já falando aos participantes do Fórum Social de Porto Alegre. Para ele, falta foco e diálogo na condução do projeto, que não deveria estar na mão do ministro José Graziano da Silva, um santo, mas ficaria melhor sob a coordenação da economista Tânia Bacelar, secretária de Planejamento de Recife.

Com tantas ressalvas, dom Mauro vai mais fundo, ao dizer-se abismado quando vê o programa anunciado se transformar numa polêmica sobre cupons de alimentação e aproveitamento de restos de comida de restaurantes (que os próprios restaurantes e supermercados desconversam por motivos de higiene e segurança). Os cupons que pretendem distribuir aos pobres, diz o bispo, “são como os dez mandamentos: mal-conhecidos, mal-compreendidos e mal-divididos”. Melhor seria destinar às famílias carentes uma soma em dinheiro, como sonha o senador Eduardo Suplicy.

Nem mesmo o ministro Antônio Palocci escapa das críticas de dom Mauro que, entretanto, continua candidato a integrar o Conselho de Segurança Alimentar. Para ele – e essa parte lembra o discurso do então candidato Lula da Silva – o ministro não poderá ficar o resto da vida tratando de economia, juros e mercados, enquanto o povo continua vivendo na miséria. “Estatística tem que ter rosto, nome e endereço”, disse o bispo, mais uma vez repetindo Lula em sua campanha.

Morelli não sabia, ao atacar as boas intenções de Palocci, que pelo menos algumas estatísticas têm tudo isso. Aquelas do prefeito Gilberto Maggioni, sucessor do ministro na Prefeitura de Ribeirão Preto, por exemplo. Segundo anunciou o prefeito numa reunião do secretariado, um esqueleto de R$ 38 milhões (mais de 10% do orçamento deste ano) foi encontrado na contabilidade municipal do ano passado, coisa que talvez – ressalvou o alcaide – nem Palocci tinha conhecimento a seu tempo. De qualquer forma, trata-se de má gerência e a coisa se parece muito com o que acontece nos outros quintais, como os do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Espírito Santo, e que tanto incomodam o ministro da Fazenda. Bem que o sucessor de Palocci, em tese também um aliado, podia ter ficado quieto. O que diz Morelli já é o bastante para colocar o País em estado de reflexão.

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