O raciocínio é simples: se o pagamento de contribuições não for revertido em favor da sociedade, não pode ser cobrado

A onda de denúncias de desvio de verbas públicas que assolam o país representa excelente oportunidade para que a sociedade brasileira reflita sobre as práticas públicas exercidas pelos nossos governantes. O momento atual revela, mais uma vez, a importância de estarmos vigilantes sobre a destinação dos recursos arrecadados por meio do pagamento de tributos.

Nesse ponto, merece destaque a forma como são manuseadas as contribuições sociais. A Constituição Federal autoriza a União a instituir contribuições destinadas à área social, com o objetivo de atender a interesses de categorias profissionais ou econômicas e, ainda, contribuições de intervenção no domínio econômico.

A principal característica das contribuições é atender à sua própria finalidade, ou seja, deve haver correspondência entre a sua instituição e a destinação do produto arrecadado. De fato, para que seja válida, os contribuintes devem ser os usuários dos benefícios decorrentes da aplicação dos recursos.

Um exemplo claro da necessidade de fiscalização da destinação dada às contribuições é a exigência, pelo Governo Federal, da chamada Contribuição de Intervenção de Domínio Econômico (Cide), incidente sobre os combustíveis.

Cobrada de importadores, produtores e formuladores de combustíveis, seu custo é repassado à população, que paga aproximadamente R$ 0,54 em cada litro de gasolina e R$ 0,22 por litro de óleo diesel.

Esse exemplo é emblemático, pois a Cide-combustíveis foi criada para atender a três finalidades específicas: pagamentos de subsídios a preços de transporte de álcool, gás natural e derivados de petróleo (leia-se regular preço); financiar projetos ambientais relacionados com a indústria do petróleo e gás (leia-se defender o meio ambiente) e financiar programas de infra-estrutura de transporte (leia-se manutenção das estradas).

Essa contribuição, instituída em 2001, bate novo recorde de arrecadação a cada ano. No entanto, a população brasileira percebe a deterioração da já precária situação das estradas, fato que por si só já evidencia o descompasso entre arrecadação e reversão do valor em benefícios à sociedade.

Mas não é apenas a sensação de precariedade das estradas que elevam esse sentimento de desvio de finalidade dos valores arrecadados pela Cidecombustíveis. Existem estudos técnicos que levam a esta conclusão.

A Confederação Nacional do Transporte divulga anualmente o resultado de pesquisa sobre a situação real da malha rodoviária brasileira. O resultado de 2005 é tão assustador quanto previsível: 72% de todas as rodovias avaliadas encontram-se em situação Deficiente/Ruim ou Péssima. Isso representa aproximadamente 60.000 quilômetros de rodovias.

Sabe-se que os recursos da Cide-combustíveis foram utilizados pelo governo para outros fins, como gastos com pessoal, pagamento de juros da dívida pública e repasse do valor para a chamada reserva de contingência (pasta orçamentária para gastos emergenciais e impossíveis de serem previstos).

A discussão sobre a destinação dos recursos arrecadados com a cobrança da Cide-combustíveis já mereceu análise pelo Supremo Tribunal Federal, que em 2004, pronunciou-se de forma desfavorável ao governo federal, obrigando-o a observar as finalidades para as quais a referida contribuição foi criada.

Da decisão proferida pela Poder Judiciário, extraem-se duas conclusões. A primeira é de que o governo destinava efetivamente boa parte dos recursos arrecadados com a Cide-combustíveis para outros setores. Lembro que as únicas finalidades são: regular preço, defender o meio ambiente e manutenção das estradas. A segunda consideração que se pode tirar é de que a população brasileira, por meio da organização civil, pode e deve exercer sua cidadania, fiscalizando e exigindo dos governantes transparência na gestão de gastos públicos e, principalmente, que os valores arrecadados com o pagamento de contribuições sejam efetivamente revertidos em melhorias para a sociedade.

Assim como no caso da Cide-combustíveis, devemos ter claro que qualquer contribuição instituída deverá necessariamente observar a destinação do produto arrecadado, sob pena de ser declarada inconstitucional, por desvio de finalidade. O raciocínio é simples: se não for revertida em favor da sociedade não pode ser cobrada.

Rafael Zanotelli é advogado.

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