O poema e o esquecimento

No poema ?Elogio do esquecimento?, publicado em coletânea escrita entre 1933 e 1938, Bertolt Brecht escreveu: ?Bom é o esquecimento. / Senão como se afastaria o filho / Da mãe que o amamentou? / Ou como deixaria o aluno / O professor que lhe deu o saber? / Quando o saber está dado / O aluno tem que se pôr a caminho?.

O poema me fez pensar nas mudanças que a educação acumulou nas décadas que nos separam de Brecht. O conceito do saber como algo a ser dado, e não construído, fundamenta o poema. A associação entre mãe e professor é outra matriz de entendimento do texto. São idéias que abandonamos com o passar do tempo, liberando a educação para que ela se transforme num processo contínuo e amadurecido, rumo também à independência do aprendente, mas em outro enquadramento. Atualmente, a noção de que o saber é um compartilhamento, que jamais estará concluído e que deve haver empenho pessoal, trabalho e suor do educando na aprendizagem são argumentos que embasam um conceito de educação oposto ao do poema.

A leitura do texto remete, ainda e inevitavelmente, à reflexão sobre a validade da literatura. Muitas vezes, na cegueira da admiração e do entusiasmo, escamoteamos ou ocultamos o envelhecimento das idéias naqueles autores. Reconheço em mim o quanto o passar do tempo (ele, sim, mestre supremo) foi revelando as necessárias e indispensáveis mudanças na avaliação dos escritores que eu havia colocado em posição privilegiada, no altar da devoção. As releituras revelaram conceitos inverdadeiros e inatuais.

Procuro entender como a literatura dos grandes mestres tem idéias, ritmo e realidade lingüística tão distantes de nosso modo de ler o mundo e organizar os discursos. As dificuldades advindas na leitura desses autores podem até ser entendidas como desafio aos leitores e como registro do momento histórico em que as obras foram escritas. Não se pode negar, porém, que os leitores precisam realizar uma experiência leitora qualitativa de alta perseverança para dar conta da anunciada e decantada grandeza desses textos.

Penso nas narrativas dramáticas de Skakespeare ou de Racine. Encontro nelas o século XVII, mas sei que, se quero compreendê-las, necessito traduzir e adequar a novos tempos. Dessa atitude surgem valores e crenças incompreensíveis para os rumos do mundo atual. Elogia-se sobremaneira a literatura de Machado de Assis, mas qualquer leitor de conhecimento razoável entende que nem tudo é possível compreender e aceitar e citar. O Rio de Janeiro que se perdeu. O homem que não há mais.

Se alguns textos vencem o teste do tempo, há obras irreparavelmente perdidas, por causa de outros valores, outros olhares, novos amores. Os próprios escritores, na ânsia de criar para seu tempo um futuro, mostram-se equivocados. Brecht, escritor engajado e participante de seu momento histórico, deixou registros da barbárie capitalista e do sonho socialista, ambos alterados ou vencidos pela evolução das sociedades.

Na educação como na literatura é preciso ler o passado mantendo, em relação aos textos, o olhar crítico, capaz de distinguir o ultrapassado e a permanência. Este é comportamento previsto nas qualidades do leitor competente.

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