O poder de investigar

O sucesso das investigações conduzidas pelo Ministério Público nos últimos anos, que permitiu ao Poder Judiciário desmoronar esquemas e máfias bem posicionadas na estrutura do Estado brasileiro, muitas vezes com a presença de poderosos representantes do poder econômico, parece ser o responsável pela reação contrária ao prosseguimento deste modo de apuração eficiente dos crimes praticados pelos mais aquinhoados. Os autores de crimes comuns não têm qualquer preocupação com o assunto, mas com outros aspectos do sistema penal e carcerário, que é, no mais das vezes, mero reprodutor das injustiças presentes na nossa sociedade.

As funções de polícia judiciária, com a conseqüente condução dos inquéritos pelas polícias, Civil e Federal, como previsto no texto constitucional, não impedem a atuação simultânea dos membros do Ministério Público na realização de diligências e investigações. É extremamente salutar que funcione assim, de modo que as referidas instituições possam suprir as eventuais falhas praticadas por uma ou por outra. A atuação concorrente do Ministério Público na investigação é o modelo que melhor atende ao interesse público. Não se pode retirar de uma Carta Constitucional sempre a interpretação literal, exatamente a mais pobre, no sentido da exclusividade da polícia a realização de atos investigatórios, pois a própria Constituição reconhece outros instrumentos de investigação que não a realizada exclusivamente pela polícia, entre as quais as comissões parlamentares de inquérito. Ademais, o interesse de amplas investigações não é de uma ou outra corporação, mas sim pertence ao povo brasileiro, maior interessado que os ilícitos penais sejam identificados e seus responsáveis punidos.

Lembremos que, na Constituição Federal, o Ministério Público está autorizado a promover, de forma privativa, a ação penal pública, cabendo-lhe ordenar as diligências necessárias à formação da opinio delicti (art. 129, VIII da CF), para que possa exercer com o zelo necessário o seu múnus de titular da ação penal, e não há lógica na vedação da realização das mesmas diligências que pode ordenar.

Não se trata aqui da mera defesa de interesses privados, mas sim da atuação do Ministério Público como a voz da sociedade, interessada na investigação e apuração de delitos, sempre no interesse público, daí porque inexiste a alegada quebra do tratamento igualitário ou desrespeito ao princípio do contraditório, pois esse acontecerá no bojo do processo judicial.

O papel destinado ao Ministério Público pelo constituinte de 1988, que teve como escopo fortalecer a defesa da cidadania e do Estado Democrático de Direito, apenas confirma a constitucionalidade dos procedimentos que conseguem dar efetividade a inúmeros princípios insculpidos na Carta Política de 1988, como a defesa da moralidade pública, do meio ambiente, na defesa da população indígena, entre outros tantos.

Em que pese o placar até o momento estabelecido em julgamento ainda em tramitação perante o Supremo Tribunal Federal, a Anamatra e a Ajufe estão confiantes que o resultado final será favorável à realização das investigações tanto pelos membros do Ministério Público, quanto pelos policiais. A medida, longe de atender a interesses corporativos de juízes, de procuradores e promotores, lança-se como opção revestida de conteúdo ético e de proteção da coisa pública.

Por isso, manifestamos nosso apoio aos atos promovidos pelas entidades do Ministério Público (ANPR, Conamp e outras), pois isso representa a solidariedade das associações de juízes do trabalho e federais ao povo mais humilde do Brasil, em face da séria ameaça contra uma garantia que lhe pertence, pois o mal do Brasil não é o excesso de investigação, mas sim o excesso de impunidade.

Grijalbo Coutinho é presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) e Jorge Maurique é presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe).

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