O mundo da vida de Habermas pede socorro

O amor pela leitura nos traz um arsenal de conhecimentos extremamente preciosos para analisarmos o mundo, porém é acompanhada de muitas inquietações intelectuais. E aí, quando vejo uma discussão de conjuntura política e econômica, lembro que Habermas contribuiu com a Teoria do Estado nos fazendo aprender que, diferente do "mundo institucional", existe o "mundo da vida", carregado de significados, costumes e valores oriundos de sua história. É deste mundo que queremos falar, pois se formos pelo caminho institucional, lembraremos que ele nos traz muitas destas inquietações.

Como as de Offe conceituando o Estado moderno como mero articulador da acumulação privada. Bernstein criticando Marx dizendo que não aconteceria o conflito final entre burgueses e proletários e nem a tal monopolização versus empobrecimento, pois surgiria a classe média, a aristocracia operária e as pequenas e médias empresas, que evitariam o enfrentamento e a concentração. Isso consolidaria a democracia como solução. Gramsci, revendo a visão leninista da tomada do poder, propondo a criação de uma hegemonia por dentro da estrutura, Stalin consolidando o modelo de partido único, nunca encontrado na obra de Marx e Engels, como mostrou meu amigo Mezaroba no seu livro o Partido Político na obra de Marx e Engels. E Foucault, para esparramar tudo, dizendo que o poder não tem centro único. E, sim que o poder tem muitos centros inclusive nas formas estéticas e semióticas da sociedade.

Keynes propondo saídas para a crise econômica e de Estado com a construção do Estado do bem estar social. Hayek e Mices, liberais críticos, defendendo o livre mercado, mostrando que isso é uma conquista humana desde antes do capitalismo, como mecanismo de desenvolvimento econômico e da capacidade humana e que o melhor meio de comunicação junto ao povo é o sistema de preços dos produtos consumidos.

Gandhi e Dalai Lama nos propondo uma resistência serena e pacífica. Virilio em sua guerra pura, nos dizendo que a propriedade da velocidade e dos seus equipamentos decorrentes é a categoria filosófica contemporânea mais importante para a tomada do poder. E Popper vem e nos mostra que a construção de modelos de Estado e de partidos é uma construção autoritária desde os tempos de Platão, discorrendo às várias obras em que o homem propôs a criação de sociedades fechadas e perfeitas, em sua obra os Inimigos da Sociedade Aberta, nos fazendo pensar que a teoria das elites de Pareto tem uma explicação mais profunda com a teoria do vínculo da psicologia de Pichon-Reviere.

Em razão disso, não é por acaso que Thoreau se isola e vai viver longe da sociedade e do Estado exaltando a desobediência civil. E Mencken, no seu livro dos Insultos, escracha todo mundo colocando tudo em dúvida.

E, sobre isso tudo, aplicamos o molho dos debates muito virtuosos entre os antropólogos, sociólogos, criminologos, psicólogos, lingüistas e semiologos da cultura, da musica e do cinema, descritos por Frazer, Clastres, Juarez Cirino, Eco, Reich, Weber, Marcuse, Barthes, Deleuze entre outros, que nos mostram que os debates das idéias do mundo do institucional e o mundo da vida, que o diga Fellini, é rico e conflituoso, e dão a certeza é que ele aconteceu e acontece de forma mais rica em períodos de democracia onde aflora a liberdade. E temos que ter orgulho por termos lutado por ela e termos disposição para continuarmos a desenvolvê-la com maior participação social, levando os frutos da democracia intitucional para o mundo da vida.

Por isso penso de forma muito simples, como simples é o mundo da vida. Que pena que o mundo passou pela guerra fria, trouxe as ditaduras e jogou fora duas gerações, como nos ensina Perry Anderson. Que fizeram uma reforma do ensino tecnificante, onde impera o resumo e não os livros, que nos traz como subproduto disso tudo Bush, Berlusconi, a sociedade de consumo de massa e seus tristes frutos, como nos mostra Bloom, em seu livro Cultura Inculta. O que deixou o mundo institucional inculto, individualista, corporativo e por consequência insensivel, remunerando bem somente quem arrecada e não os que trabalham com os pobres e excluídos do mundo da vida.

Se tivemos como missão de vida lutarmos contra as trevas e vivermos com seus efeitos durante nossas vidas, talvez seja para compreender isso e ajudar a trazer a luz com as boas inquietações intelectuais e a vivência com nossos amigos e as pessoas simples que trazem o conhecimento e o sofrimento do mundo da vida. Mundo do qual me aproximei, para ouvi-lo, por orientação do meu amigo Campana, antes do surgimento das pesquisas qualitativas, no qual vejo índices de desenvolvimento humano baixo, desemprego, baixos níveis de renda, altos índices de acidente de trabalho, trabalho infantil, discriminação no mundo do trabalho e por conseqüência aumento da criminalidade.

O que leva todas as leituras que geraram as inquietações intelectuais serem reduzidas a uma certeza bem simples. O mundo institucional precisa trabalhar menos para si e mais para o mundo da vida. Do contrário continuaremos a investir em construção de presídios para encarcerar pobres, que ficaram proibidos de viver no mundo da vida. E o mundo da vida pode concluir que os benefícios da democracia do mundo institucional não está chegando a ele. E vai continuar matando membros do seu mundo e do mundo institucional, por mais que se aumente o contingente policial. E os filhos do mundo institucional continuarão se alucinando nas baladas, pois sensíveis somatizam um mal-estar pelos sofrimentos do mundo da vida.

Dedico este artigo ao amigo professor de Direito da UFPR Manoel Eduardo Gomes e Camargo.

Geraldo Serathiuk é advogado. Delegado Regional do Trabalho do Paraná.

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