O maior e o menor

O governo argumenta que cada R$ 1,00 de aumento no salário mínimo significa R$ 205 milhões a mais nas despesas anuais da União. Por isso, além de desvincular o salário mínimo de uma série de itens, é sempre refratário à concessão de qualquer aumento aos que dependem dele para viver e sobreviver. Nosso salário mínimo mensal está abaixo dos oitenta dólares norte-americanos, mas seu poder de compra pelos vis mortais não preocupa muito o Planalto nem os que se ocupam do poder. A preocupação maior é, sempre, com o Tesouro, não com a carteira do povo.

Existem algumas exceções à regra, entretanto. Algumas carteiras preocupam. E muito. A dos ministros do Supremo Tribunal Federal, por exemplo, que tiveram aumento de 59% aprovado em regime de urgência urgentíssima. Seus vencimentos passam de quatorze para dezessete – três mil reais a mais. Só a diferença mensal a ser percebida significa quinze salários mínimos. Travestidos de líderes sindicais, os ocupantes do STF argumentam que fizeram mau negócio: o salário mínimo deles deveria ser de R$ 21.000,00.

Para aprovar o novo salário da magistratura – e agora começa a corrida em cascata, beneficiando todos os integrantes da categoria, do desembargador ao juiz substituto de entrância inicial – o Congresso foi ágil. Num dia, a Câmara aprovou; no outro, o Senado. E o reajuste será imediato, dado que a categoria não pode mais suportar a demora. Na discussão do salário mínimo, entretanto, não houve acordo. As lideranças tinham entrado num entendimento sobre o valor de R$ 240,00 para o ano que vem. Por qualquer motivo, houve quem roesse a corda e, no Esplanada, Fernando Henrique Cardoso respirou aliviado: não precisará passar pelo desgaste de vetar o que foi no Congresso combinado…

Cresce o entendimento de que o valor do novo salário mínimo pode esperar. Pelo menos até depois das eleições. Como ninguém sabe quem será governo dentro de meio ano, ninguém também quer arriscar, incluindo o PT cansado de guerra. O tiro de um discurso populista agora pode sair pela culatra.

Isso não impede, entretanto, que cada um dos nossos zelosos representantes cuide do seu. No Congresso já se advoga a aplicação, para os integrantes do Legislativo, das mesmas regras definidas para o Judiciário. No Executivo também medra a mesma esperança. Afinal, o tratamento isonômico para os salários em todo o País é um discurso que, embora tenha ficado no papel, constitui regra que, se vantajosa, convém que seja aplicada. Assim, em Brasília trata-se de construir logo a maior cascata já vista: os parlamentares, que aprovaram a toque de caixa o aumento do Judiciário reivindicante, já pensam em auto-aplicar as mesmas vantagens. Vantagens que também seriam estendidas aos maiorais do Executivo. Parlamentares e ministros de Estado estão cansados de um contracheque limitado a R$ 8.000,00. Muito mais agora que o contracheque dos ministros da Justiça cresceram mais que o dobro disso. E ministro por ministro, é preciso trabalhar no equilíbrio dos poderes.

Assim vive a democracia brasileira, construída para categorias e corporações organizadas. Entre o mínimo e o máximo – os cidadãos de primeira classe e o resto – lá vão 85 vezes. No mínimo.

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