O foco essencial

Áurea Rangel

O índice de acidentes de trânsito no País – cuja gravidade fica ainda mais evidente em feriados como os do final de ano e nas férias de verão – indica o quanto é importante realizar urgentes ações preventivas. No Brasil, o número de vítimas fatais em desastres de automóveis por 100 mil habitantes é um dos mais altos do mundo: algo em torno de duas dezenas. Isto significa claramente ser necessário aplicar medidas eficientes para acabar com essa grande e absurda perda de vidas humanas em vias urbanas e rodovias.

Nesse sentido, é necessário adotar medidas eficazes e efetivas. Não basta tentar atenuar o quadro com ações paliativas, tapando o sol com a peneira, ou simplesmente focar a questão sob o prisma burocrático. Essas tergiversações apenas reforçam a certeza de que as autoridades não sabem – ou não querem – lidar com o problema em sua essência.

A obrigatoriedade de, a partir deste ano, os veículos circularem com extintores de incêndio mais potentes e, ainda, de as pessoas demonstrarem conhecimento de direção defensiva e primeiros socorros ao renovarem a carteira de habilitação, tem suscitado desconfortável conotação de que a culpa pela tragédia do trânsito é só dos motoristas. Com isso, alguns aspectos cruciais vão-se dispersando, como as precárias condições das estradas brasileiras. Em mais de dois terços da malha rodoviária há diferentes graus de deficiência, incluindo problemas no pavimento e na sinalização, tanto a demarcada na pista como ao lado, ou suspensa sobre ela.

Relegar esse cenário a segundo plano e produzir medidas mais periféricas – como as definidas para este ano – só corroboram o pessimismo quando à capacidade da nação de reduzir os índices de acidentes de trânsito. Certamente, os números da violência no trânsito também estão vinculados à imprudência de alguns motoristas, mas este problema resolve-se com fiscalização e punição exemplar, nos termos da lei. A educação, no caso, é muito importante, em especial dos motoristas com poucos anos de habilitação, pois pesquisas indicam que eles respondem pela maioria dos acidentes.

Entretanto, se o pavimento e a sinalização das estradas fossem adequados, com certeza as taxas de acidentes no trânsito seriam menores. Porém, se estes dois itens não evoluírem juntos nesta parcela expressiva de rodovias que necessitam de reparo, pode-se estar consolidando outro conceito distorcido: o de que o motorista, mesmo com as estradas em boas condições de circulação, não sabe como trafegar nelas. Explica-se: de nada adianta a pista em excelentes condições se a sinalização for precária e vice-versa.

Se os motoristas forem devida e corretamente "informados" em todo o percurso de uma estrada ou via urbana por uma sinalização eficiente e clara, inclusive à noite e em condições adversas de visibilidade, a chance de cometerem um erro é extremamente menor. Questões como essa, que estabelecem parâmetros para a efetiva solução dos problemas, nem sempre são devidamente focadas pelas políticas públicas. Esse, aliás, é um dos vícios da cultura de gestão estatal, redundando, muitas vezes, na substituição do fundamental pelo periférico.

Áurea Rangel é química, mestre em Engenharia de Materiais e diretora executiva da Hot Line.

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