O desafio da igualdade

Luiz Inácio Lula da Silva tem sólidas razões para justificar o pedido de cautela que fez à Nação no enfrentamento dos problemas brasileiros. Ninguém desconhece o pesadíssimo fardo que pesa sobre as costas do presidente da República e seus ministros, em vários planos – político, econômico, social e cultural. Comecemos pela discussão sobre o último deles que, embora não tenha merecido o mesmo tratamento generoso dedicado pela imprensa à esfera econômica, exige soluções urgentes e eficazes do Poder Executivo.

A questão cultural é grave não apenas devido aos sofríveis indicadores sócioeducacionais da Nação, que apontam a existência de 40 milhões de analfabetos funcionais e um IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) marcado por profundas desigualdades. A política cultural elitista adotada pelos governos anteriores, que em momento algum privilegiou as manifestações culturais e folclóricas legitimamente populares, também foi lastimável.

O que causa maior preocupação, porém, são certos tipos de práticas culturais amplamente instituídas na sociedade e totalmente condenáveis pelo mais elementar bom senso – ou, se preferirmos, pelo mais primário senso de justiça. Referimo-nos à generalizada tendência dos cidadãos de burlar o sistema jurídico e convenções sociais para obter vantagens de ordem estritamente pessoal.

Trata-se da popular “Lei de Gérson”, versão moderna de práticas seculares adotadas por segmentos expressivos da Nação, como o nepotismo e o clientelismo. Coisas da nossa frágil noção de justiça social, herança histórica dos nossos colonizadores e produto de uma cultura forjada a partir de uma matriz fundamentalmente fisiológica, como bem apontou Raymundo Faoro nos dois volumes de Os donos do poder.

O problema é de extrema gravidade porque destoa completamente da trajetória política do presidente da República e de seus aliados mais próximos. Luiz Inácio Lula da Silva, o PT e os neogovernistas de última hora foram alçados ao poder baseando-se em ações e em uma imagem pública essencialmente democrática e moralizante. Democrática porque sempre defendeu uma participação justa, eqüitativa da sociedade nas ações do governo – o contrário do que se verifica no nepotismo, que é excludente, por definição. Moralizante porque sempre condenou a adoção de práticas contrárias à ética – mera peça de ficção, no caso de quem somente privilegia os interesses pessoais nas suas ações cotidianas.

É de extrema importância compreendermos que apoiar o governo Lula, como apoiaram 52,7 milhões de brasileiros, significa muito mais do que apenas votar em um ex-metalúrgico identificado com os estratos populares da sociedade. Significa abandonar práticas arcaicas. Pensar no coletivo, tanto quanto no individual. Sacrificar privilégios pessoais, em benefício do bem estar da maioria. Saber fazer concessões, ao invés de apenas angariar benesses.

Em suma: ser solidário, praticando Justiça social no dia a dia, antes de esperar que ela venha por decreto-lei ou medida provisória. Uma mudança de comportamento desta envergadura, convenhamos, não se consegue de um momento para o outro. Exige paciência e coragem para mudar. É o que se espera da sociedade brasileira para a qual o novo presidente vai governar nos próximos quatro anos.

Aurélio Munhoz

é editor-adjunto de Política de O Estado (politica@parana-online.com.br) e mestrando em Sociologia Política pela UFPR.

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