O controle do mérito dos atos administrativos

Comumente o Poder Judiciário se depara com demandas nas quais se objetiva questionar a discricionariedade do ato administrativo e a imposição, ao Executivo, de ordem que determine a sua prática no caso concreto.

Ato administrativo é ato jurídico que decorre do exercício da função administrativa sob um regime de direito público, atrelando-se positivamente à lei. No ato administrativo discricionário o legislador prevê quais caminhos pode o administrador adotar na busca do ato ótimo. A escolha, feita segundo critério de conveniência e oportunidade, constitui o mérito do ato.

A doutrina majoritária entende que não cabe o controle do mérito do ato, sustentando esse posicionamento ora no princípio da separação dos poderes (Art. 2.º da CF/88), ora na cláusula da reserva do possível, ora no controle de legalidade a que está adstrito o Judiciário ao analisá-lo.

Arruda Alvim(1) assevera que o juiz não pode sobrepor seu próprio juízo de conveniência e oportunidade no lugar daquele do administrador, já que este, e não o Judiciário, é o destinatário final da margem de liberdade conferida pela lei. A jurisprudência do STJ não destoa desse entendimento(2).

Ao revés, Jozélia Nogueira Broliani(3) afirma que o princípio da eficiência (Art. 37 CF/88) autoriza o controle do ato discricionário financeiro para a supressão de omissões no planejamento, via determinação de ações, despesas e obras ao Executivo pelo Judiciário. Traz à baila jurisprudência do TRF da 4.ª Região(4).

Porém, acredita-se não ser possível ao Judiciário analisar a conveniência e oportunidade do ato: somente o administrador, em contato com a realidade, poderá identificar casos de finalidade e utilidade públicas ou de bem comum, e escolher excelentemente qual deve ser a priori atendido.

Todavia, pode o ato discricionário sofrer controle judicial no tocante ao fim público que deve atingir, sustentação decorrente da forma republicana de governo adotada pela Constituição. As atividades do Estado devem pautar-se pelo princípio do interesse público, pois os governantes administram a res publica. E essa administração deve ser feita segundo o interesse do todo.

Mas se não cabe ao Judiciário substituir-se ao administrador, definindo o mérito do ato, semelhante afirmação não se pode fazer relativamente ao povo. Todo poder emana do povo, e cabe a ele exercê-lo em toda a sua plenitude.

O mérito do ato administrativo cabe à população, muito embora seu porta-voz seja o administrador, e surge das necessidades dos cidadãos, da dificuldade concreta de cada um dos indivíduos, das mazelas presentes no dia-a-dia do povo.
O mesmo povo a quem a Carta Política de 1988 atribui a titularidade do poder exercido por representação por governantes eleitos, e ao qual a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) confere ampla participação nas audiências de elaboração da lei orçamentária anual e de avaliação quadrimestral de cumprimento das metas fiscais pelo Poder Executivo.

Tais audiências – instrumentos relevantes de transparência e controle popular – asseguram o exercício da cidadania e a participação do povo no gerenciamento do erário público quanto à fixação de políticas públicas em consonância com as necessidades sociais, que devem ser reclamadas pela população diretamente ao administrador.

Portanto, na esfera administrativa cabe ao povo aproximar-se dos seus representantes eleitos, cobrando os direitos fundamentais, serviços públicos e necessidades sociais que pretende ver satisfeitos, e assim definir – ou ao menos influenciar – o mérito dos atos administrativos discricionários.

Notas:

(1)     ALVIM, Arruda. Limites ao Controle Judicial da Administração: A discricionariedade administrativa e o controle judicial. In: Direito Processual Público. 1.ª ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2003. p. 234.

(2)     Vide AgRg no Resp 261.144-0/SP – STJ; AgRg no Resp 252.083/RJ STJ.

(3)     BROLIANI, Jozélia Nogueira. O controle Judicial nas Omissões no Planejamento Financeiro. In: A&C Revista de Direito Administrativo e Constitucional, ano 5, n.º 21, p. 127/130, jul./set. 2005. Belo Horizonte: Editora Fórum.

(4)     Vide AGA 200404010145703 – TRF 4.ª Região; AC 478166, processo 200204010006100 – TRF 4.ª Região.

Fernanda Greca Martins é advogada. Especialista em Direito Internacional pela PUCPR. Pós-graduanda em Direito Administrativo pelo Instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar. fernanda_greca@hotmail.com