O Contran é um perigo

Quando entrou em vigor o Código do Trânsito, publiquei neste caderno "Direito e Justiça" artigo com o título "Código do Trânsito, será que pega?" Edição do dia 8 de fevereiro de 1998.

Naquela oportunidade, fiz severas críticas ao Código e manifestei minha preocupação com a reserva deixada ao Contran para legislar, dizia eu, então:

"Passaram mais de seis anos discutindo. Elaboraram uma lei minuciosa, casuística, detalhista e não codificaram tudo? Deixaram de fora a legislação complementar e as normas do Contran? E pior, o legislador abdicou de sua obrigação e poder de legislar, deixando ao Contran reserva para continuar legislando em cima de um código tão novo, o que significa péssima técnica legislativa.

E não fica mesmo por aí a loucura. Do artigo 162 ao 255 do referido código são catalogadas nada menos do que 241 infrações leves, médias, graves e gravíssimas que poderão ser cometidas pelos motoristas brasileiros.

O legislador que não foi dos mais felizes, não se contentou com esse elevado número de infrações e remeteu ao Contran a criação de mais atos infracionais. Os ilustres membros do Contran não irão decepcionar e nem demonstrar incompetência. Com certeza, usarão sua capacidade criatividade e criarão mais algumas dezenas de infrações nas quais serão enquadrados nossos motoristas.

Mas o que realmente preocupa é a lei em si, um monumento à falta de técnica legislativa. Confusa, extensa e obscura. Para se ter idéia da confusão, fiquemos no capítulo das infrações, com seus 93 artigos. Observa-se ali uma total ausência de seqüência lógica na enumeração. Ao invés de regulamentar os atos infracionais numa ordem crescente ou decrescente de gravidade, iniciando-se pelas faltas leves e se chegando às gravíssimas ou vice-versa, os autores do texto legal foram misturando as infrações, não importando sua natureza. Ficou a idéia de que, no meio das discussões, à medida que vinha à cabeça de algum deles uma infração esta era registrada sem qualquer preocupação com a sistematização que o caso exigia".

Sem falsa modéstia, tinha razão: a primeira bobagem foi aquela história do inútil "kit" de primeiros socorros. Só serviu para encher as burras do fabricante. Todos se lembram: caiu em desuso e, consequentemente, no esquecimento, para depois ser revogado. Só esqueceram de devolver o que foi desembolsado pelos proprietários de veículos com a aquisição da inutilidade, inclusive eu. E quem ganhou, ganhou.

Posteriormente, voltei ao assunto e escrevi "Código do Trânsito e cidadania", publicado no mesmo espaço, no dia 29 de março de 1998. Neste artigo, reiterei minha preocupação com a fisionomia de "Código Penal do Motorista" que lhe foi imposta e lembrei fato histórico vinculado à elaboração da Constituição Americana, registrei na ocasião:

"Meditando sobre o assunto, veio à lembrança fato histórico ligado à Constituição Americana. Segundo consta, concluídos os trabalhos de elaboração daquela Carta Política, em Filadélfia, observou-se que somente haviam sido criadas obrigações para o povo americano. Essa constatação teria inspirado Benjamin Franklin a propor a inclusão de doze artigos de emendas à Constituição, dos quais dez foram aprovados pelo Congresso Americano em 25 de setembro de 1.789. Submetidos aos estados americanos essas emendas foram ratificadas pelo número necessário exigido para tanto. Assim, as dez emendas ficaram conhecidas como "Bite of Rights" (LEI DOS DIREITOS)."

A edição da Resolução n.º 168, do Contran, autoriza-me a reconhecer que eu tinha razão quando manifestei minhas preocupações com a atuação daquele órgão e confirma o que já afirmei mais de uma vez: a febre legislativa no Brasil é um negócio assustador, faz-se lei como se faz tapioca no café da manhã dos hotéis de meu Nordeste. Só para refrescar a memória a Constituição de 88 já sofreu 45 (quarenta e cinco) emendas e o número de medidas provisórias editadas desde sua criação é inimaginável.

Mas voltando ao assunto, por essa malfadada resolução, aquele Conselho instituiu a necessidade de curso de primeiros socorros para que os motoristas quando da renovação de suas Carteiras de Habilitação.

Felizmente, o diretor do Detran/PR, Marcelo de Almeida, pessoa com a qual não tenho qualquer relacionamento mas, reconheço, vem fazendo excelente trabalho no órgão e mantendo seu padrão de qualidade, suspendeu a exigência em nosso Estado.

A absurda exigência, não é apenas falta de bom-senso, é totalmente descabida e contraria as recomendações técnicas de que somente pessoas capacitadas deverão lidar com acidentados.

Impor cursos de primeiros socorros aos motoristas, o que deveriam ter aprendido em casa ou nos bancos escolares, poderá induzir os menos avisados a acharem que estarão aptos a socorrerem pessoas envolvidas em acidentes, colocando em risco suas vidas.

Não faz muito tempo, o mesmo Contran aprovou a substituição dos extintores de incêndio que são utilizados nos veículos por outro que, segundo consta, é fabricado por uma única empresa, não permitindo disputa entre fornecedores, além de dúvidas quanto a sua eficácia, levantadas por alguns especialistas.

Como nada disso é de graça, os proprietários de veículos que já pagam o IPVA, o seguro obrigatório, a CIDE e o emplacamento anual, serão onerados com mais essas duas iniciativas do nosso operoso Contran, órgão que tem se revelado muito preocupado com "primeiros socorros". Como não deu certo com o "kit", volta à carga com o curso. Fiquem certos, virão outras iniciativas brilhantes. Esse pessoal é muito criativo e esse Contran é um perigo.

Como perguntar não ofende: quem ganha com essas imposições? Com certeza não será a sociedade.

Por não saber quem lucrará, só resta uma alternativa: reagir e se indignar, apoiando o Detran-PR, contra essa diarréia legislativa do Contran, reveladora de que seus iluminados integrantes não têm coisas mais sérias para fazer. Com a palavra as entidades da sociedade civil.

Antônio Dílson Pereira é professor e advogado, em Curitiba. E-mail: dílson. pereira@brturbo.com

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