O comércio eletrônico e a perda de arrecadação dos estados não industrializados

Segundo a Federação do Comércio do Estado de São Paulo, entre os anos de 2001 e 2009, as compras pela internet registraram expansão de 2080%, enquanto foi de apenas 293% a do comércio tradicional. Sua expectativa de comércio virtual para 2011, sem computar as compras coletivas, é de R$18,7 bilhões. Conquanto estes números sejam avassaladores e representativos de uma evidente tendência de mudança de hábitos no consumo das pessoas, são também objetos de preocupações para os Estados onde se encontram os consumidores destes produtos, porquanto resultam em significativa perda de arrecadação do ICMS que incidia sobre o consumo destes mesmos produtos vindos de outros Estados, quando eram vendidos em seu território de forma tradicional (diretamente na loja e não de modo virtual). A causa está no pacto federativo forjado na Constituição de 1988, em que o comércio pela internet não foi previsto (porque obviamente não existia), muito menos como fator importante no equilíbrio econômico entre os Estados da federação, classificados enquanto produtores e consumidores de mercadorias.

Ainda assim, a Constituição disciplinou o comércio interestadual, diferenciando o comprador que obtém o produto para revender (comércio e indústria) e o que compra para consumo próprio (normalmente pessoa física). Quando o produto for comprado para a revenda, determinou que a arrecadação do ICMS deverá ser partilhada entre os Estados envolvidos na operação, com parte a ser recolhida ao Estado onde se encontra o vendedor, com alíquota interestadual menor (7% ou 12%) e com a outra parte, que é a diferença desta alíquota para a alíquota interna (normalmente 18%), recolhida ao Estado onde está o comprador. Com isto, o pacto federativo e o equilíbrio financeiro entre os Estados seriam preservados, já que os Estados produtores receberiam uma parte do ICMS (7% ou 12%), mas se permitiria aos Estados de destino do produto (onde está o seu comprador revendedor), uma parcela significativa do ICMS (11% ou 6%), distribuindo-se o bolo tributário desta exação e dando chance ao desenvolvimento dos Estados consumidores, de modo a não concentrar a riqueza apenas nos Estados já ricos e industrializados.

Em outra hipótese, a Constituição previu que na venda interestadual para consumidor final em outro Estado, aplicar-se-á apenas a alíquota interna, de tal forma que o ICMS deverá ser recolhido para o Estado onde se encontra o seu vendedor (na origem do produto), e absolutamente nada será recolhido ao Estado destinatário da mercadoria.

Com efeito, no comércio eletrônico os consumidores compram seus produtos direto do vendedor em outro Estado, via sítios eletrônicos, de modo que não geram qualquer recolhimento ao Estado onde o consumo acontece, gerando a perda de arrecadação e desequilíbrio financeiro. Alguns Estados como o Piauí e Mato Grosso do Sul, visando se proteger destas distorções, estabeleceram leis estaduais para cobrar o ICMS sobre os produtos que ingressem no seu território já nos postos de fiscalização de suas fronteiras, sem fazer distinção se é para consumo ou não, enquanto outros estão aplicando um mero protocolo do CONFAZ como fundamento para estas práticas inconstitucionais. Embora os Estados apresentem crescente perda de arrecadação em virtude deste tipo de comércio (o Mato Grosso do Sul e o Piauí alegam perda de 45 e 50 milhões de reais anuais, respectivamente), o plenário do Supremo Tribunal Federal concedeu, recentemente, em controle concentrado, liminar para afastar a aplicação destas leis.

Com razão o STF, pois o texto constitucional é claro sobre o tema, de modo que não se sustenta o argumento financeiro dos Estados consumidores, que pretendendo tributar as os produtos comprados de outros Estados via internet, incorrem em bitributação, inconstitucional pela invasão da competência do Estado produtor. No entanto, se um novo pacto federativo não for implementado mediante reforma tributária, ou alterações constitucionais sobre o assunto não ocorrerem, teremos um crescente fortalecimento dos Estados produtores e desenvolvidos, em detrimento dos interesse,s e do desenvolvimento dos Estados não industrializados (normalmente mais pobres), com impacto direto no financiamento de suas políticas públicas e nas suas populações. Seguramente estes efeitos se opõem ao comando de reduzir as desigualdades regionais e sociais forjadas na Constituição como objetivos fundamentais do Estado brasileiro.

O Estado do Paraná, embora não esteja, por hora, sentindo estes mesmos efeitos, já que possui centros de distribuição de produtos de várias cadeias de lojas, poderá no futuro ser afetado por mudanças neste panorama econômico e alterações logísticas destas empresas, de modo que seria prudente também se articular com os demais Estados consumidores, no sentido de propor soluções para estas questões, mormente enquanto não sobrevenha a reforma tributária na qual está inserida a federalização deste imposto e a expectativa da eliminação do problema, visando, sobretudo, resguardar, ainda que por cautela, seus interesses jurídicos e econômicos sobre o assunto ou, quiçá, apenas para colaborar com o seu dever de solidariedade com o desenvolvimento dos Estados mais pobres do Brasil.

Alexsander Roberto Alves Valadão é Professor Adjunto da PUC/PR, advogado, mestre e doutor em Direito Tributário pela UFPR.

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