Helena de T. Coelho Gonçalves

Novamente os precatórios

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou em 13/10/2009 a Resolução n.º 92, visando implementar o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e a promoção da efetividade do cumprimento das decisões judiciais, no que diz respeito ao controle dos precatórios expedidos, tornando mais efetivos os instrumentos de cobrança dos créditos judiciais em desfavor do Poder Público.

A Resolução institui o Sistema de Gestão de Precatórios (SGP) no âmbito do Poder Judiciário, gerido pelo CNJ, como banco de dados de caráter nacional a ser alimentado pelos Tribunais, com informações como o nome do Tribunal, unidade judiciária e número do processo judicial que ensejou a expedição do precatório; datas do trânsito em julgado da decisão que condenou a entidade a realizar o pagamento, e da expedição do precatório; valor, data da atualização do cálculo e entidade de Direito Público devedora; natureza do crédito (se comum ou alimentar); valor total dos precatórios expedidos pelo Tribunal até 1.º de julho de cada ano; valor total da verba orçamentária anual de cada entidade de Direito Público da jurisdição do Tribunal destinada ao pagamento dos precatórios; percentual do orçamento de cada entidade sob a jurisdição do Tribunal destinado aquele tipo de pagamento; valor total dos precatórios não pagos até o final do exercício, por entidade.

A Resolução fixa prazo para prestação das informações pelas autoridades judiciárias e determina ao presidente do Tribunal que, verificada a insuficiência da verba orçamentária para pagamento de todos os precatórios, solicite informações ao chefe do Executivo local e adote as medidas administrativas necessárias à efetivação do pagamento dentro do prazo constitucional.

A omissão na adoção das medidas mencionadas, pelo presidente do Tribunal, caracteriza crime de responsabilidade e possibilita a abertura de procedimento administrativo pelo Plenário do CNJ.

A Resolução faculta aos Tribunais instituir Juízo Auxiliar de Conciliação de Precatórios, com o objetivo de buscar a conciliação naqueles já expedidos, observada a ordem cronológica de apresentação. Os precatórios conciliados serão quitados, observando-se o repasse realizado pelo ente público devedor, na ordem cronológica, assim como aqueles que não foram objeto de conciliação. Pode haver intervenção no caso de vencimento do prazo para pagamento e frustração da tentativa de conciliação.

Tal iniciativa do CNJ é mais um passo no sentido da moralização do pagamento dos precatórios, problema cujas tentativas recentes de solução datam do ano 2000, com a edição da Emenda Constitucional nº 30, que permitiu o parcelamento das dívidas inscritas em precatório no prazo de até 10 anos, atribuindo efeito liberatório dos tributos da entidade devedora no caso de descumprimento do dever constitucional.

Ocorre, contudo, que tal direito vem sendo negado pelos Estados, ainda que se reconheça sua inadimplência, e não vem sendo reconhecido pelo Judiciário. Hoje, pende de julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) questão a respeito da oposição de precatórios alimentares e devidos por autarquia estadual, em pagamento de tributos, cuja repercussão geral já tenha sido reconhecida.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) vem determinando a compensação de créditos decorrentes de precatório comum devido pelo próprio Estado devedor, mas rejeita a compensação de precatórios alimentares e devidos por autarquia estadual.

Tal diferenciação tem razão de ser quando o pagamento ocorre dentro do prazo constitucional, mas, a partir do momento no qual existe inadimplência generalizada, não se pode penalizar os créditos alimentares, em razão de seu privilégio, nem afastar os créditos de autarquia, cujo numerário para pagamento virá de uma única Fazenda Pública.

A intervenção nos Estados e o seqüestro de verbas públicas para pagamento dos precatórios não tem ocorrido, salvo, no último caso, em situações denominadas de seqüestro humanitário, quando o credor demonstra absoluta necessidade do dinheiro em razão de crítico estado de saúde, aliado à necessidade financeira, o que releva a aura política com a qual é tratada a questão, também no âmbito do Judiciário.

Importante ainda a constatação de que, muito embora já existam instrumentos jurídicos capazes de imporem aos Estados o pagamento das dívidas de precatórios, como a prevista no artigo 78, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, a qual permitiu o parcelamento em até 10 anos, sem que os Estados tenham adimplido seus débitos judiciais, tramita no Congresso Nacional a PEC 12/2006, a qual, entre outras disposições, autoriza novo parcelamento em 15 anos. Não se pode deixar de observar que dentre os congressistas votantes favoravelmente ao novo parcelamento, muitos pleiteiam os cargos de Governador na próxima eleição, podendo-se afirmar que estão legislando “em causa própria”.

O que se espera de todas as autoridades envolvidas é a solução do problema de pagamento dos precatórios, por que de nada adianta um Judiciário aparelhado para julgar ações ajuizadas em face do Estado, com os gastos financeiros inerentes, se não existe efetividade no cumprimento, pelo Estado, das condenações a que é submetido. A manutenção do Estado Democrático de Direito depende da efetividade das decisões judiciais impostas para a contínua observância dos ditames legais.

Helena de Toledo Coelho Gonçalves é advogada, e doutora em Direito Processual Civil pela PUC-SP. www.coelhogoncalves.adv.br

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