Negociar? Por quê?

Muito embora o debate acerca da Reforma Sindical tenha estado ausente do noticiário após o início da tramitação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n. 369/2005, faz-se necessário questionarmos, neste momento de aparente calmaria, alguns pontos da proposta governista.

Salientamos, desde logo, que esta breve reflexão concentrará seu foco na análise de temas constantes da PEC, uma vez que, para todos os efeitos, o anteprojeto encaminhado com festejos pelo Ministério do Trabalho e Emprego não passa de mera ?carta de intenções? já que não integra, formalmente, o rol de proposições em trâmite no Congresso Nacional. Da mesma forma, deve-se dizer que não trataremos de temas já explorados à exaustão por outros colegas, pois nesse caso a colaboração para o debate seria mínima. Preferimos, assim, destacar o desestímulo que a PEC veicula em relação ao processo de negociação coletiva. Em verdade, muito mais do que um desestímulo, a proposta governista carrega consigo uma incoerência inquietante e inaceitável.

Ao analisarmos a nova redação que a PEC pretende dar ao § 2.º do artigo 114 da Carta Federal(1), observamos que somente pode figurar no pólo passivo de eventual medida judicial a parte que se recusa à arbitragem, e não à negociação coletiva, ou seja, o limite cognitivo dos órgãos judicantes em sede de ação normativa é análise da recusa ao procedimento arbitral, uma vez que a PEC não menciona a recusa à negociação coletiva como hipótese permissiva de ingresso ao Judiciário.

Em nosso entendimento, tal disposição significa a extinção da negociação coletiva, modo clássico de composição de interesses e núcleo da existência das entidades sindicais de qualquer nível, uma vez que o impedimento à negociação coletiva não acarretará nenhum prejuízo à parte que assim se posicionar.

Note-se, caros leitores, que ao mesmo tempo em que a proposta pretende minguar o processo de composição voluntária entre as partes, o contempla em alguns outros dispositivos, com destaque para o artigo 8.º, inciso VII(2) e artigo 37, inciso VII(3), ambos da Constituição Federal, marcando a incoerência a que nos referimos anteriormente.

Outro indício de que o processo de negociação coletiva encontra-se em rota de extinção é a substituição processual ampla e irrestrita conferida a qualquer entidade sindical e não mais somente aos Sindicatos, nos termos da pretensa redação do art. 8, inciso III(4). Ora, qual a vantagem de se negociar se qualquer entidade sindical, a qualquer momento, mesmo sem a anuência de seus representados, pode provocar o Judiciário?

O debate, certamente, prosseguirá, mas devemos nos manter céticos quanto a adequação de alguns dispositivos da PEC 369/2005, que, por ora, conseguiu o raro feito de unir opiniões tanto entidades representativas de empregados quanto de empregadores no sentido da rejeição do texto.

Notas

(1) Art. 114 […]

§ 2.º Recusando-se qualquer das partes à arbitragem voluntária, faculta-se a elas, de comum acordo, na forma da lei, ajuizar ação normativa, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente.   

(2) Art. 8.º […]

VII – é obrigatória a participação das entidades sindicais na negociação coletiva.

(3) Art. 37 […]

VII – a negociação coletiva e o direito de greve serão exercidos nos termos e nos limites definidos em lei específica.

(4) Art. 8.º […]

III – às entidades sindicais cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais no âmbito da representação, inclusive em questões judiciais e administrativas.

Luiz Antonio Grisard é advogado, especialista em Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito de Curitiba e acadêmico do curso de MBA em Gestão Empresarial pela FAE Business School. E-mail: luiz.grizard@fiepr.org.br

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