Tratamento da dislexia ainda engatinha

Toda vez que João Pedro ia à escola, sentia um temor indescritível de que a professora pudesse pedir a ele que lesse algum texto para a classe. Nas vezes em que isso aconteceu, envergonhou-se pela lerdeza com que as palavras saíam de sua boca. Não que não soubesse ler. Passou pela alfabetização como todos os seus amigos e os dois irmãos. Porém, sempre achou que era mais devagar do que as demais crianças das escolas da rede pública que freqüentou em Curitiba.

Isso porque quando João Pedro Aleluia, hoje com 18 anos, olha para uma página de texto, pode identificar as letras pelos nomes, até mesmo pode dizer o som que elas representam. Mas quando precisa dizer que palavra as letras formam, o jovem se depara com um emaranhado incompreensível de símbolos. João Pedro sofre de dislexia, síndrome que, de acordo com estudiosos, afeta entre 10% e 15% da população mundial.

?Repeti uma vez de ano e não desisti da escola apenas porque minha mãe sempre me deu muito suporte. Mas sofri muito. Os professores sempre acharam que eu era preguiçoso ou burro?, conta. O estudante só foi diagnosticado como disléxico tardiamente, quando cursava o ensino médio. Com a ajuda de um psicólogo, conseguiu entender seu problema e hoje cursa Direito em uma faculdade paga.

Mesmo que internacionalmente já se diagnostique e trate crianças disléxicas desde cedo, o Brasil ainda engatinha para tentar ajudar quem sofre com o problema. ?E quando não recebem o diagnóstico correto, as crianças se tornam problemáticas em todas as disciplinas. Logicamente isto tem um impacto muito negativo na sua auto-estima e é responsável por grande parte da evasão escolar?, aponta a psicóloga Mônica Luczynski, pesquisadora do Centro de Neuropediatria do Hospital de Clínicas e membro da Fundação Brasileira de Dislexia.

O interesse sobre o assunto vem de família, já que dois de seus irmãos sofrem da síndrome. Dedicou toda a carreira ao estudo da dislexia e, em 2004, adaptou para o português um método de orientação diagnóstica chamada Panlexia, único no País construído em lingüística com padrões fonêmicos e grafêmicos para ensinar indivíduos disléxicos e com outras formas de dificuldades de aprendizado, de todas as idades.

?Implantamos o método na rede de ensino municipal de Curitiba e já temos alguns ótimos resultados?, comemora. A idéia, conta, é pinçar os alunos com dificuldades antes mesmo da alfabetização e prepará-los de forma diferenciada. ?Nos EUA, onde este método também é utilizado, constatou-se que, anteriormente à sua utilização, 40% das crianças chegavam ao equivalente à 4.ª série com dificuldades cognitivas. Atualmente, o número varia de 2% a 6%?, revela.

Causa: especialistas divergem

Fotos: Ciciro Back

Mônica: herança familiar.

Mas se há um consenso entre especialistas de que a melhor forma de tratar um disléxico é diferenciando o método de alfabetização logo no início da infância, a causa da síndrome ainda causa alguma controvérsia.

A psicóloga Mônica Luczynski afirma que as causas da dislexia são neurobiológicas e genéticas. ?Ela é herdada e, portanto, uma criança disléxica tem algum parente que também é disléxico. E recentemente se descobriu que os neurônios responsáveis pela leitura são menores nos disléxicos.? Segundo a especialista, eles processam informações em uma área diferente do cérebro, apesar de o órgão ser perfeitamente normal.

Já a fonoaudióloga Giselle Massi, da Faculdade de Ciências Biológicas e da Saúde da Universidade Tuiuti do Paraná, acaba de lançar um livro questionando as descobertas médicas.

Giselle: nada de biológico.

Em A dislexia em questão, ela afirma que a dislexia escolar não teria nada de biológico.

?Questiono essa visão e busco desconstruir esse conceito na medida em que mostro, a partir de uma abordagem constitutiva de linguagem, que todos os sintomas disléxicos são absolutamente previsíveis no processo de apropriação da escrita, não se tratando de um problema orgânico?, afirma Giselle, que é professora do Curso de Graduação em Fonoaudiologia e do Mestrado e Doutorado em Distúrbios da Comunicação da UTP.

Ela dá como exemplo uma pesquisa do Instituto Nacional de Alfabetismo Funcional que, em 2001, apontou que apenas 26% dos brasileiros conseguem ler textos longos, relacionando partes desses textos e fazendo inferências. ?Não é possível pensar na dislexia como um problema dissociado do meio escolar e socioeconômico do País?, afirma.

Problema não impede o desenvolvimento pessoal

Polêmicas à parte, a psicóloga Mônica Luczynski aponta que a dislexia não é um impedimento para o desenvolvimento perfeito da pessoa. Basta levar em consideração que o inventor Thomas Edison, Walt Disney, Agatha Christie e Tom Cruise foram disléxicos, para entender o que ela quer dizer. ?Ela não significa falta de inteligência e não é um indicativo de futuras dificuldades acadêmicas e profissionais?, afirma.

Porém a especialista contrapõe que estudos realizados nos EUA apontam que entre 70% e 80% do número de jovens delinqüentes naquele país apresentam algum tipo de dificuldades de aprendizado.

?Por isso, ressalto a importância de se tratar esses problemas prematuramente. Lá nos EUA também se constatou que é comum que crimes violentos sejam praticados por pessoas que têm dificuldades para ler. E quando na prisão eles aprendem a ler, seu nível de agressividade diminui consideravelmente?, conta. ?Existem estados por lá que calculam o tamanho das prisões que constroem baseados no número de crianças que não lêem nas escolas?, revela.

Por outro lado, Mônica diz que as políticas públicas que buscam evitar esse panorama são muito fortes no país. ?Existe até uma legislação federal para elevar o número de leitores no país?, fala, comentando sobre a lei ?No child left behind act? (ato nenhuma criança deixada par trás), criada em 2001 pelo presidente George Bush.

?No Brasil existem esforços isolados, mas ainda estamos longe de termos pesquisas e políticas públicas suficientes para a importância que a dislexia tem?, analisa.

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