Tantra é a filosofia indiana do autoconhecimento

Concentração, autoconhecimento, prazer. Características de que trata o tantra, no mais estrito sentido do termo – a palavra que significa rede ou teia abrange uma filosofia indiana cada vez mais procurada no Ocidente para auxiliar na recuperação da força e da energia que, de acordo com os estudiosos do assunto, está dentro de cada ser humano.

Parece complicado? Não é. Ou melhor, não precisa ser. Relacionado ao yoga, o tantra é essencialmente o filosófico em prática, que, por meio de técnicas de força e concentração, promete transformar a sensibilidade e desenvolver capacidades diversas.  

Para entender o que o tantra pode fazer, é preciso antes saber um pouco de suas origens. Há duas vertentes distintas para explicar seu surgimento. Uma delas, mais romântica, diz datar o termo de cerca de cinco mil anos; a outra acredita ser o tantra um conceito mais novo, que teria surgido na época medieval, há cerca de mil anos – esta última baseada em estudos e documentos históricos. ?Assim como todas as filosofias indianas, o tantra parte do princípio de que o abstrato deve, de alguma forma, ser possível na prática. Por isso, tem seu campo teórico concentrado – que trata da existência, da realidade, das origens humanas e do universo – e sua parte prática, com um conjunto de técnicas que faz as pessoas vivenciarem as idéias?, explica o professor do Centro Cultural de Yoga, em Curitiba, Felipe Charão.

O estudioso relata que o tantra veio para revolucionar as filosofias indianas antigas tratadas nos Vedas – obras gigantescas, escritas por milhares de pessoas ao longo de quatro ou cinco mil anos e que caracterizam a principal literatura da Índia – de forma a tratá-las de um modo mais palpável (e que talvez tenha tornado possível sua adaptação para o Ocidente de forma eficiente): ?A tendência filosófica dos Vedas afirma ser o mundo em que vivemos uma ilusão, um fragmento da verdadeira realidade por trás do véu de Maya, ou a mãe de todas as coisas, e que é preciso transcender a personalidade egórica, ou do ?eu?, para alcançar essa verdadeira realidade. Ou seja, é necessário deixar de se ver como um ?eu? isolado de outros ?eus?. Assim alcança-se a consciência por trás da realidade?, expõe. ?Acontece que, antes do surgimento do tantra, as tradições pendiam para o lado de que era necessário renunciar o mundo para atingir essa consciência?, explica Charão. O conceito veio, então, para evidenciar que não faria sentido negar o ilusório, já que tudo está no meio dessa ?realidade?. ?Um exemplo disso é o sexo, antes visto com maus olhos. A partir do momento em que surgiu o tantra, pensa-se em usar isso para encurtar o caminho à transcendência.?

Mas o tantra abrange mais do que apenas o lado sexual, exercendo uma ligação com o Hatha Yoga, ou um yoga de linhagem tântrica, assim caracterizado por ampliar em muito o número de técnicas que utilizam o corpo. ?Antes do tantra, o yoga era muito mais ligado à meditação, mais espiritual. As técnicas incluídas a partir daí abrangem alongamento, exercícios de força, respiração, concentração, mantras. São meios para despertar  a energia interna do corpo e aprender a controlá-la?, define o professor.

Por essa propriedade, segundo Charão, o tantra é indicado para todas as pessoas que querem alcançar o potencial máximo de si mesmas, se conhecerem profundamente e aproveitarem o máximo do que o corpo e a vida têm a lhes oferecer, aumentando o prazer de viver. ?Há estudos que comprovam ser possível irmos muito além do que presumimos que nossa mente seja capaz ou do que estamos acostumados. O autoconhecimento promovido é muito intenso e, quando aprendemos a manipular nossas ações, daí há liberdade verdadeira?, acredita.

Excitação como terapia

De acordo com o médico homeopata e acupunturista  Mauro Carbonar, as alterações químicas no corpo no momento sexual – variação das frequências cardíaca e respiratória, de temperatura e produção alterada das glândulas endócrinas – podem ser prolongadas voluntariamente, promovendo espécie de adubação química de hormônios por todo o corpo. ?Ou seja, mantém-se propositalmente o estado de excitação para fazer disso uma terapia. É como se fosse uma reposição hormonal, mas endógena, alterando desde o aspecto da pele, por exemplo, até o estado emocional, promovendo mais disposição?. Além disso, explica o médico, a preparação para isso é observação importante no que se refere ao adequado desempenho. ?As pessoas procuram fazer mais em determinadas estações – primavera e verão -, luas – crescente e cheia -, e horários – início e fim da noite. Assim observam-se melhores resultados?, conta o médico, que confirma a importância de alimentação adequada. ?Se for feito sem hábitos saudáveis de vida, não tem bons resultados.? (LM)

Exercícios de postura e respiração

A prática do tantra yoga é recomendada para uma série de necessidades. Os exercícios ou posições do yoga, denominados ásanas – que envolvem atenção, postura e respiração – promovem melhor circulação do sangue e estimulam os impulsos nervosos, antigamente traduzidos como teias de energia em nosso corpo (daí a correlação com o significado da palavra). Ao aliar mente e corpo na busca por um bem comum, muita gente encontra cura para problemas fisiológicos e psicológicos. ?O corpo tem milhares de circuitos elétricos que circulam nos nervos, principalmente. O principal conjunto de nervos que temos é a coluna e o nosso cérebro é nossa central, tanto de recebimento quanto de emissão de circuitos. Com a mente, ajudamos no recebimento e emissão desses impulsos nervosos para as partes do corpo nas quais mantemos a atenção e a concentração, potencializando as correntes através de freqüências respiratórias e por meio de posturas?, explica o médico Mauro Carbonar.

As posturas, por exemplo, permitem prender tanto a circulação elétrica – que se propaga pelos nervos – quanto a química – que circula pelos vasos linfáticos e sangüíneos. ?Com as posturas, contrai-se a musculatura e os membros e impede-se os fluxos sangüíneo e elétrico. Com a mente a gente imagina e percebe o fluxo indo ou desviando, e isso é usado terapeuticamente para todos os tipos de problemas, como de pulmão, coração, digestivos, circulatórios e de insônia, por exemplo. É uma auto-fisioterapia?, resume o acupunturista.

Ele ressalta que todo esse controle só é possível porque a mente acompanha o corpo nesses movimentos, melhorando o aspecto psíquico. ?Para a medicina oriental, cada órgão possui uma parte da mente que é de sua responsabilidade. Dependendo do tipo de pensamento, pode-se deduzir que determinados órgãos estão deficitários.? Um exemplo é a timidez ou dificuldade de se socializar. Segundo Carbonar, tem-se observado ao longo dos séculos que ocorre em pessoas com problemas de vesícula, fígado e má digestão. ?Por meio de posturas, medicamentos fitoterápicos e alimentos terapêuticos, as pessoas melhoram e passam a ter mais clareza, programação da vida?, revela. (LM)

Bem mais do que apenas prática sexual

Pouca gente relaciona o tantra a algo além de técnicas para a prática sexual. O conceito abrange bem mais que isso, mas não deixa de ter nessa vertente uma importante ferramenta para a canalização da energia. O professor de yoga Felipe Charão explica que existe no tantra uma energia chamada Kundalini, de natureza sexual, e que fica alojada na base da coluna. Neste ponto está localizado o primeiro dos sete principais chakras -centros de energia que, acreditam os hindus, existem no corpo e que se estendem por toda a coluna até a fronte e, finalmente, o topo da cabeça. ?Utilizando-se a técnica tântrica do Maithuna, faz-se o intercurso sexual e, em vez de terminar ejaculando, retêm-se o orgasmo para canalizar a energia. Dessa forma é possível amplificar a energia fazendo-a subir pela coluna até que chegue ao último chakra, em cima da cabeça?, explica Charão. O acúmulo da energia não é à toa: é preciso controlá-la, o que também faz parte da técnica. ?Tendo total controle sobre a energia, pode-se usá-la para o que quiser. Mas essa técnica não está isolada, há uma preparação para praticá-la, principalmente alimentar. Caso contrário, a pessoa não irá conseguir ou, pior, será até prejudicial.? Além disso, o tantra não é feito para o prazer pelo prazer. ?O que implica dizer que o prazer não é o objetivo último, mas é um caminho para se alcançar o nirvana?, se referindo ao termo visto pelo hinduísmo como uma analogia ao moksha, ou libertação do ciclo do renascimento e da morte que culmina na busca pela libertação. (LM)

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