Sonho, um misto de mistério e desafio

Os sonhos são associados não apenas àquelas imagens – geralmente desconexas -que parecem nos transportar para um mundo de coisas impossíveis, desejadas ou temerosas enquanto dormimos. Na verdade, estão ligados a aspirações humanas, imagens do inconsciente e a funções vitais que se realizam em nosso cérebro no momento do sono mais profundo. Apesar de pesquisas caminharem para diferentes campos, fornecendo interpretações biológicas e psicológicas a seu respeito, a pergunta "para quê sonhamos?" ainda caminha em cima de suposições, o que constitui os sonhos um mistério para o homem e um intrigante desafio para a ciência.

Suas explicações se concentram em duas vertentes: uma voltada para a psicologia clínica e a outra, para a neuropsicologia ou neurobiologia. Esta última explica que os sonhos acontecem do seguinte modo: durante o sono REM (do inglês rapid eyes moviment – ou movimento rápido dos olhos -, a mais profunda das fases do sono, quando se realizam os sonhos) as atividades cerebrais se tornam dessincronizadas e os movimentos motores são inibidos. Durante o sono, há uma grande ativação do sistema límbico, região do cérebro em que se processam as emoções. Dentro desse sistema, principalmente o hipocampo e o corpo amigdalóide entram em ação, dando o "colorido" emocional para as nossas vivências.

Segundo a neuropsicóloga Samanta Blattes, "o hipocampo, por exemplo, é muito importante na ativação da memória, assim como o corpo amigdalóide, que ajuda a fixá-la. O conteúdo emocional está ligado a este processo, que acontece em grande parte durante o período onírico, como é chamado o período em que acontecem os sonhos. Isso leva muitos cientistas a crerem que os sonhos têm um papel muito importante na fixação da memória."

A neuropsicóloga revela ainda que existem estudos que direcionam os sonhos também para um papel importante na homeostase, ou o equilíbrio do organismo, bem como na reprogramação dos processos instintivos. "Os sonhos fazem, portanto, muita diferença na recuperação da memória e no aprendizado", resume Samanta. "Uma pesquisa realizada com ratos privados de atingir a fase REM e que, portanto, não sonhavam, demonstrou que tinham déficit de 60 a 70% no desempenho do aprendizado".

Inconsciente

A vertente psicológica estabelece que os sonhos são uma maneira simbólica de o inconsciente transferir imagens para o consciente. Ao longo do dia, recebemos uma série de informações, algumas conscientemente e, outras, de forma subliminar, que ficam guardadas na inconsciência. "Nem percebemos que elas estão ali. Por exemplo: você passeia no shopping e vê uma blusa rosa, mas nem percebe que a viu. Aquela imagem fica guardada no seu inconsciente e você pode sonhar com sua avó, que usava uma blusa da mesma cor; assim, uma informação que passou despercebida despertou lembranças de sua própria história", exemplifica a neuropsicóloga.

As teorias mais aceitas sobre os sonhos são as de Jung, que os estabelecem como promotores do equilíbrio psíquico. Seus estudos voltam-se para a análise e interpretação dos sonhos, sob conceituação do homem como um ser extremamente simbólico. "Apesar de muitos desses símbolos serem universais, o maior desafio é verificar o que implicam para cada indivíduo, já que, para cada pessoa, um símbolo tem um significado pessoal. O sonho nunca pode ser separado de quem sonha", analisa Samanta.

Freud, porém, foi o primeiro a estudar o assunto e se diferencia de Jung por compreender que os sonhos conteriam redes intricadas de interpretações – que remetem aos desejos reprimidos do indivíduo. "Mas ambos coincidem em acreditar que os sonhos são mensageiros do que não processamos no consciente", diz a neuropsicóloga.

Sensações podem ser comuns

Entre algumas sensações comuns durante ou após a fase onírica, algumas são já conhecidas e caracterizam diferentes tipos de sonhos. É o caso do sonho incubus, famoso por fazer a pessoa acordar assustada. "É um tipo de pesadelo que pode ser decorrente de ansiedade, depressão e até manifestações esquizofrências ou de epilepsia noturna e apnéia – por causa dos roncos", afirma o especialista em distúrbios do sono, Attílio Melluso Filho.

Existem também aqueles sonhos que parecem excessivamente reais, e fazem a pessoa se sentir "vivendo" as situações. São sonhos lúcidos, em que a pessoa sonha com tarefas, viagens ou trabalhos importantes, com grandiosidade e magnitude. São chamados de sonhos épicos. "Geralmente são repetitivos e as pessoas acordam com extrema fadiga pelo dispêndio de energia como se realmente tivessem feito os trabalhos", caracteriza Melluso. A situação inversa pode ser percebida nos sonhos ditos resolutivos, em que a pessoa "vai dormir com um problema e acorda com a solução", resume o médico.

Outra sensação comum durante o sonho é a de lentidão dos movimentos, principalmente quando há uma passagem de perseguição nos sonhos, por exemplo, e correr se torna uma tarefa quase impossível. O sexo feminino, principalmente, é suscetível a esse tipo de sonho, que retrata ainda quedas, fugas e labirintos. "17% das mulheres que sofrem de distúrbios do sono apresentam o distúrbio dos movimentos periódicos das pernas, em que elas têm sonhos como esses e movimentam freqüentemente as pernas, provocando microdespertares e até câimbras", descreve. (LM)

Fatores emocionais, orgânicos e sociais

De acordo com o médico Attílio Melluso Filho, especialista em distúrbios do sono, o sonho é resultado de uma mistura entre os contextos emocional, orgânico e social aos quais o indivíduo está submetido, estando, tal como o sono, suscetível a sofrer distúrbios. "O estado de ansiedade ou depressão pode alterá-los, provocando sonhos angustiosos ou pesadelos", exemplifica o médico. "Já determinadas situações orgânicas, como a ocorrência de epilepsia, tumores cerebrais, diabetes, distúrbios de tireóide, efeitos de alcoolismo crônico, doenças reumatológicas e cardíacas, além de certos problemas respiratórios, também podem alterar o modo como sonhamos", completa. Já entre os fenômenos sociais associados ao conteúdo e à ocorrência dos sonhos, o especialista destaca situações familiares, preocupações financeiras e atividades no trabalho.

Existe uma super especialidade dentro dos distúrbios do sono, chamada dreamologia, que se ocupa das oniropatias, os distúrbios do sonho. "É relativamente freqüente entre pessoas da terceira idade, por exemplo, o distúrbio comportamental do sono REM, em que a pessoa tem sonhos extremamente angustiosos, fala, grita e se torna agressiva", cita o médico. "Na maioria das vezes, as pessoas que sofrem desses distúrbios não se lembram dos sonhos", acrescenta.

O especialista lembra ainda que pessoas que sofrem de depressão têm sono REM mais duradouro, o que ocasiona sonharem mais e com sonhos mais angustiosos. "Daí apresentam fadiga matutina, irritabilidade, dor de cabeça e déficit de memória e concentração", cita o médico. "Isso acaba afetando o aspecto social e emocional, como má performance no trabalho por queda de produtividade, decorrente da falta de concentração e fadiga, além da sonolência que passam durante o dia", conclui. (LM)

70% não lembra do que sonhou

Há questões sobre os sonhos que podem ser explicadas com facilidade. Uma delas é o porquê de tantas imagens desconexas ou "malucas" que as pessoas descrevem após seus sonhos. "Essa falta de coerência acontece porque não há sincronismo entre as atividades dos hemisférios direito e esquerdo do cérebro durante os sonhos", elucida a neuropsicóloga Samanta Blattes. A troca de informações, portanto, não segue um raciocínio lógico, como é o caso do pensamento consciente.

Outra característica comum em muitos casos é a dificuldade de lembrar do conteúdo dos sonhos. Isso não se refere especificamente à pessoa que sonha, mas ao momento em que ela acorda. "Só é possível guardar na memória o que sonhamos quando o despertar acontece durante o sonho ou logo na sequência de seu término", diz o médico Attílio Melluso. O sono normal é dividido em cinco fases: os estágios um e dois constituem o sono leve; o terceiro e o quarto são os do sono profundo, chamado sono delta; e o estágio cinco é o do sono REM, ou dos sonhos. "Geralmente o ciclo desses estágios dura, em média, uma hora e meia, e nós sonhamos cerca de 20 a 25 minutos a cada duas horas", diz. "Se a pessoa despertar em um dos quatro primeiros estágios, ela não se lembrará de seu último sonho, o que acontece com 70% da população".

Há ainda as pessoas que dizem nunca sonhar. De acordo com o médico, "cerca de 30% da população realmente não sonha, ou raramente o faz, devido a distúrbios psíquicos, como transtornos afetivos, ou a situações clínicas, como a apnéia do sono, que impedem que o organismo atinja o sono REM". (LM)

Interpretação é algo pessoal

Para a astróloga Dirce Alves, os sonhos revelam coisas que já sabemos e não queremos entender ou aceitar. "A interpretação é pessoal, depende de diferentes correntes. A maior parte das pessoas acredita que os sonhos são ruins, mas não são. Eles são uma limpeza de coisas que ficaram muito guardadas em nós."

Segundo Dirce, as crendices em torno dos sonhos nem sempre são verdadeiras, mas algumas representações podem ser entendidas dentro do contexto de cada pessoa. Ela é autora do "Livro das simpatias de sucesso – com especial análise de sonhos", em que dá algumas dicas sobre interpretação de sonhos. "Por exemplo, sonhar com alguém que já morreu significa ganho de uma questão que tenta resolver. É sinal que a pessoa se vê ‘morta’ em uma determinada situação, indicando que quer terminar algo definitivamente, seja no campo afetivo, pessoal, de trabalho ou financeiro", cita. Um tipo de sonho que levanta polêmica é o premonitório. Segundo Dirce, apesar de estarem quase sempre relacionados a questões espirituais, eles dizem respeito à capacidade de algumas pessoas em usar mais a inteligência. (LM)

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