Síndrome de Otelo faz vítimas homens e mulheres

Quando resolveu botar fim prematuramente a seu casamento, de apenas um ano e quatro meses, Adriana (nome fictício) o fez pelo medo. Vítima de um ciúme doentio por parte do marido, explica que se sentia vítima do que chama de "síndrome de Otelo", numa alusão ao livro Otelo – O Mouro de Veneza, de William Shakespeare. "Da mesma maneira que acontece no clássico inglês, um amigo de meu marido, fazendo as vezes de Iago, inventou situações que alimentaram um sentimento de ciúme que quase acaba em tragédia", conta.

Para não acabar como a Desdêmona de Shakespeare, morta pelo enciumado marido Otelo, Adriana foi embora de casa. "O pior foi que ele achou que o motivo para o divórcio era justamente o outro homem que nunca existiu." Adriana voltou a usar o sobrenome de solteira e cortou relações com o ex. "O irônico disso tudo é que quando namorávamos, eu é que tinha a fama de ciumenta." Quanto ao amigo do ex-marido, Adriana nunca soube as razões que o levaram a inventar as histórias. "Acredito que também eram ciúmes, só que do amigo", arrisca.

Caim e Abel; Cleópatra, Marco Antônio e Júlio César; Capitu e Bentinho. Tanto na literatura quanto na história, o sentimento é responsável por episódios famosos. "O ciúme é tão velho quanto as relações humanas. Quem ama tem medo de perder o objeto do amor", explica a professora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Maria Virgínia Grassi. Porém, a autora do livro Psicopatologia e Disfunção Erétil explica que ciúme doentio, patológico, do jeito que o marido de Adriana tinha, que pode levar a agressões e até a episódios policiais, mesmo sendo bom enredo para ficção, não é prova de amor verdadeiro.

"As pessoas costumam confundir ciúme exacerbado com amor. Por outro lado, acham que por se sentirem mais seguras com outro parceiro, é porque não o ama. Isso é confusão", afirma Maria. Ela explica que o ciúme passional está muito mais associado a determinados sentimentos ativados na presença do parceiro, que a faz se sentir profundamente insegura do que a sentimentos benéficos. "Casais assim estão neuroticamente engajados, alimentando a insegurança um do outro sem mobilizar recursos para que a relação possa se construir." O resultado disso: brigas. "Não existe diálogo, troca, intimidade. E sem isso, não há amor", diz.

Como tudo começa

Para Freud, nunca se está tão mal protegido sentimentalmente do que quando se ama. A psicóloga vai mais longe, acrescentando que, quando se está amando, a pessoa entrega o que lhe falta ao outro. "Entregamos nossas vulnerabilidades a quem se ama. O ciúme então vem no momento em que se percebe que se precisa do outro e que não existem garantias que o objeto do amor não irá embora ou deixar de amar. O ciúme é um instrumento do medo de perder", esclarece.

Ou seja, todo mundo que ama tem algum nível de ciúmes para assegurar que não vai ficar na mão. Maria conta que dentro desse quadro existem nuances e variáveis. "O primeiro tipo de ciúme aparece diante de situações concretas, palpáveis. O ciúme nesse caso visa proteger o que está em jogo entre as duas pessoas, o laço amoroso." O problema, segundo a psicóloga, é quando se caracteriza a outra forma de ciúme, a paranóica. "Esse tipo atua respondendo meramente a fantasias de um dos parceiros. Não quer preservar nada."

Para Maria, a definição "patológico" cai como uma luva para esse tipo de sentimento. "Patos vem do grego padecimento, paixão, dor e assujeitamento. Está ligado a fantasias perceptoriais de uma pessoa achando que vai ser abandonada ou traída e utiliza elementos do meio para que aconteça." Esses elementos são pessoas que o parceiro muitas vezes nem sabe que existem, escolhidas inconscientemente pelo enciumado.

"Quem sofre de ciúmes patológico vai ser sempre assim, com qualquer parceiro", diz a psicóloga. Ela acrescenta que essas relações quase nunca são aprofundadas, e o ciumento tende a trocar de parceiro, achando que assim conseguirá segurança de não ser trocado.

Homens e mulheres têm percepções diferentes

A psicóloga Maria Virgínia Grassi explica que, apesar de muita gente palpitar que homens são mais ciumentos que mulheres e vice-versa, essa é uma afirmação que não dá para generalizar. "Nos dois gêneros, a forma como o ciúme aparece é diferente." Para o homem, o que importa na hora de uma crise de ciúmes é saber se a mulher fez sexo com outro homem e se obteve mais prazer com isso. Já para as mulheres, o que conta é o envolvimento afetivo. "Ela vai querer saber se seu homem ama mais outra mulher do que ela."

Mas para o sociólogo do UnicenP (Centro Universitário Positivo) Rafael Bezerra, é inegável que essas relações estão mudando com o passar do tempo. "Com o fim do padrão de estruturação familiar, onde a mulher cuida da casa e dos filhos e produz riqueza junto com o homem, a preocupação com o sexo já ficou em segundo plano", diz. Mesmo assim, ele vê um paradoxo em algumas sociedades. "Mesmo com essa emancipação, ainda se utiliza o sistema de educação tradicional, o que causa uma complexidade nos relacionamentos atuais."

Para Maria, uma das maiores provas de que as novas gerações estão tendo que lidar diferentemente com o ciúme é o "ficar". "Nesse comportamento, a pessoa pode ficar com pessoas diferentes na mesma noite e ninguém pode cobrar nada dela." Para o psicólogo, esse afrouxamento dos laços das relações é um questionamento social. "Com o ?ficar? não dá para ter o mesmo nível de ciúmes que as pessoas tinham 20 anos atrás." Porém explica que, uma vez estabelecido o namoro, vale o pacto invisível da fidelidade, da mesma forma que antes.

Para o sociólogo, a posse do outro e principalmente o machismo ainda devem perdurar por mais algumas gerações. "A sociedade constrói papéis sociais e coletivamente atribui valores que as pessoas devem atingir. E um deles ainda é o homem e a mulher tradicionais." (DD)

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