Ser vegetariano não é só cortar a carne

Prevenção de doenças, um melhor quadro de saúde, ética, religiosidade e compaixão aos animais e ao meio ambiente. São diversos os motivos para uma pessoa adotar o vegetarianismo e, a cada dia que passa, essa corrente de alimentação ganha mais adeptos em todo o mundo. Ser vegetariano não é apenas tirar a carne das refeições. Recusar todo e qualquer produto do reino animal acaba se tornando um estilo de vida.

A presidente da Sociedade Vegetariana Brasileira, Marly Winckler, conta que o vegetarianismo se torna uma maneira de encarar a vida quando se entra em contato com o conhecimento que motivou a pessoa a partir para este tipo de alimentação. ?Vai abrindo o seu leque de conhecimentos. Entra nos bastidores da indústria da carne, que envolve a criação e o abate dos animais com crueldade. O gado não chega a ficar velho, vai direto para o abate. Muitas pessoas ficaram apavoradas e acabam largando a carne. Comer carne é um ato de violência. Não dá para semear a paz se baseando nisso?, comenta.

De acordo com Marly, os ciclos econômico e alimentar da carne estão diretamente relacionados com a destruição do meio ambiente. Florestas são desmatadas para a formação de pastos para criação de gado. ?Vemos a expansão da soja na Amazônia. No Brasil, ninguém consome soja em grandes quantidades. O grão também é destinado para a produção de ração para alimentar os bois?, afirma.

Para Marly, a dieta baseada na carne também é um dos motivos para o desenvolvimento de doenças. ?Tudo tem a ver com essa dieta. Não só a carne propriamente dita, mas o estilo de vida em que a carne é o prato principal?, sinaliza. O vegetarianismo contribui para uma melhora significativa no estado de saúde da pessoa, aumentando a resistência, a longevidade e a qualidade de vida, segundo a presidente da Sociedade Vegetariana Brasileira. Quem adota essa alimentação também não usa roupas de couro e outras vestimentas com matéria-prima proveniente de animais. Procura produtos alternativos, inclusive na higiene pessoal. Os sabonetes de base vegetal são preferidos, pois o sabão utilizado em larga escala no mercado vem dos animais.

Macrobiótica

Outra corrente muito procurada por quem não quer mais comer carne, por qualquer que seja a razão, é a macrobiótica. Ela é similar ao vegetarianismo por não aconselhar a ingestão de alimentos de origem animal. ?A macrobiótica não proíbe nada. Se aprende o valor de cada alimento, a reação dele dentro do corpo. A diferença entre o desejo e o necessário é uma pergunta que vai direcionando a vida da pessoa?, afirma Manoel Pismel Filho, um dos coordenadores do Centro de Auto Educação Vitalícia de Curitiba, que mantém o restaurante escola Clorofila.

O conceito da macrobiótica possui quatro critérios. O primeiro é a alimentação, à base de cereais integrais, verduras e legumes. Depois vem o movimento, indispensável para o corpo, pois os exercícios ajudam em seu desenvolvimento. O terceiro critério é a respiração. A maioria das pessoas não sabe respirar, o que não permite uma boa oxigenação. Por último está o pensamento. ?Esta é a parte mais importante. Você escolher o que utiliza no dia-a-dia, passar a repensar a vida. Não há uma busca por um estado absoluto, totalmente saudável, totalmente feliz. Se aprende a transformar um estado doentio em saudável, por exemplo?, explica Pismel.

A crescente procura pela alimentação macrobiótica não reflete o conhecimento desse estilo de vida. ?90% dos que vêm no restaurante não têm consciência dessa ordem alimentar. Somente pensam que é mais saudável, mais leve. Não têm a consciência plena do efeitos no corpo, para que este seja seu próprio remédio?, declara Pismel. O conceito da macrobiótica surgiu no Japão e foi introduzido no Brasil na década de 1950.

Combinações são suficientes para suprir nutrientes

A carne vermelha é uma excelente fonte de proteínas e ferro, essenciais para o corpo humano. Mas quem deixa de comer qualquer produto animal não apresenta deficiências de nutrientes, vitaminas, minerais e proteínas. No entanto, o vegetariano deve ficar atento ao que coloca no prato. Alguns produtos naturais específicos e as combinações de alimentos são mais do que suficientes para o vegetariano ser, realmente, uma pessoa saudável. ?A maioria duvida que um vegetariano não possa ter falta de algum nutriente, mas isso não é verdade?, alerta a química e nutricionista Maria das Graças Teixeira, da Sorella Nutrição Clínica, ligada à cadeia de restaurantes vegetarianos Sorella.

Em primeiro lugar, é preciso fazer uma distinção. Existem as pessoas que aboliram a carne vermelha de suas refeições, mas continuam ingerindo ovos, leites e seus derivados. São chamadas de ovo-lacto-vegetarianos. Entretanto, há os vegetarianos restritos, que não comem qualquer alimento proveniente do reino animal.

Maria das Graças explica que os ovo-lacto-vegetarianos não possuem riscos de apresentarem deficiências de nutrientes porque podem ingerir combinações de alimentos que supram as necessidades de proteína. ?A carne vermelha possui as oito cadeias de aminoácidos essenciais para o nosso corpo. Mas se deixar de ingerir carne, não tem problema. A combinação arroz e feijão proporciona uma proteína completa, por exemplo. Ninguém precisa deixar de ser vegetariano por esse problema?, esclarece.

Os vegetarianos restritos são os que precisam de maiores cuidados. Os adeptos desta alimentação podem ter carência de vitamina B12, presente exclusivamente em produtos de origem animal e fundamental para a integridade das células nervosas. ?Isso é facilmente resolvido com uma suplementação?, conta Maria das Graças. Ela relata que os vegetarianos restritos podem superar a falta de cálcio no organismo (o leite é uma fonte importante) ao ingerir folhas escuras e gergelim. Se deixadas de molho, as sementes soltam um líquido que se parece muito com o leite de origem animal. ?O leite de gergelim é riquíssimo. É preciso prestar atenção na ingestão de cálcio, que deve ser monitorada. A deficiência de cálcio só será constatada mais para frente. Por isso, é essencial uma alimentação preventiva?, ensina.

Outro ponto problemático é o ferro. O mineral presente na carne vermelha é melhor absorvido pelo corpo do que nas fontes vegetais. Para incrementar esta captação pelo organismo, os vegetarianos devem ingerir as folhas escuras junto com uma fonte de vitamina C, que otimiza a absorção. Um exemplo é temperar a salada com suco de limão. Os adeptos do vegetarianismo podem suprir possíveis deficiências de zinco e cobre, cujas principais fontes são as carnes vermelhas, com nozes, sementes e castanhas. ?Fora esses itens todos, não há problema algum para os vegetarianos restritos. A alimentação equilibrada deve conter fibras, hortaliças, frutas, grãos integrais, sementes, oleaginosas e azeite de oliva?, revela Maria das Graças.

A atenção também deve ser redobrada por causa das massas e frituras, alerta a nutricionista Sheila Melnick. ?Ser vegetariano não significa ser saudável justamente por causa disso. A gente observa que muitas pessoas deixam de comer carne, mas acabam abusando dos carboidratos?, enfatiza. Ela acredita que uma orientação pessoal do que se deve comer é essencial para evitar deslizes como esse.

Sheila não defende o vegetarianismo como única opção de uma alimentação saudável. ?A carne vermelha não mata ninguém. Ela é uma opção, apesar de ser um fonte rica de nutrientes e proteína?, declara. Se a pessoa está interessada em comer carnes, Sheila recomenda as opções magras em porções pequenas, duas vezes por semana. (JC)

Dieta não é feita apenas de salada

Se engana quem pensa que o vegetariano só come salada. Esse tipo de dieta conta com uma variedade enorme de produtos que podem ser utilizados nas refeições. Além disso, a criatividade e o modo de preparo dos alimentos permitem que a dieta vegetariana seja muito atrativa e saborosa, mesmo para aqueles que não resistem aos prazeres das carnes vermelhas. ?Os pratos são realmente diferenciados. As pessoas sentem prazer em se alimentar?, opina a nutricionista Maria das Graças Teixeira.

A preparação correta é um dos pilares da alimentação macrobiótica, que preza pela manutenção dos nutrientes dos produtos vegetais. ?Tudo deve ser absolutamente natural. O modo de preparo correto mantém as propriedades naturais dos alimentos?, avalia Estelita Vitorino Gomes, coordenadora da cozinha do Restaurante Ecológico Clorofila, mantido pelo Centro de Auto Educação Vitalícia de Curitiba.

O local, além de servir refeições diariamente, é uma escola. Os interessados em seguir o conceito macrobiótico recebem orientações individualizadas sobre essa filosofia de vida, o que inclui a escolha e preparação dos alimentos. ?Quem prepara a alimentação macrobiótica deve ser macrobiótico. Isso permite que se passe energia para a comida?, acredita Estelita.

De acordo com ela, a alimentação macrobiótica é fácil de aprender. Quem vai até o restaurante, além do buffet, pode optar por uma refeição preparada previamente pela coordenadora, com as combinações e proporções exatas para as necessidades do organismo. O prato normalmente tem uma raiz, uma folha e cereais, proporcionando uma dieta equilibrada. ?Tudo o que as pessoas procuram pode ser encontrado na alimentação?, diz Estelita. (JC)

Largar o hábito é o maior empecilho

A professora de yôga Karin Tatiana Dietrichkeit é ovo-lacto-vegetariana há 10 anos. Tudo começou justamente por causa do yôga, que possui um mandamento contra a violência em suas recomendações para os seguidores. ?Não existe uma palavra direta, mas entre as prescrições éticas do yôga está a não violência. Aí entra o não matar. Quando você come carne, está sendo conivente com a morte dos animais. Além disso, o boi quando é abatido passa por um nível de estresse muito grande e libera muitos hormônios. Essas toxinas vão para a carne?, explica.

As recomendações do yôga também remetem à preservação do meio ambiente e este se torna outro fator para a adoção do vegetarianismo. ?Sabe-se que cultivar grãos é mais barato do que criar gado. Inclusive se gasta mais água com os bois do que na plantação, e muitos rios são poluídos por matadouros?, lembra Karin. Alguns praticantes do yôga também partem para o vegetarianismo para alcançar a purificação interna.

Desde que se tornou vegetariana, Karin realizou diversos exames e nunca teve problemas com deficiências de nutrientes, vitaminas e minerais devido a esse estilo de alimentação. Para ela, o grande empecilho foi a adaptação à nova dieta. ?Eu comia carne, mas não era viciada. Quando decidi largar, senti muita dificuldade porque é um hábito que vem desde pequena. Às vezes, batia uma vontade enorme de comer carne. Até fui parar em uma churrascaria. Foram dois anos de adaptação, mas foi uma mudança interna importante para mim?, aponta.

A professora saboreia os pratos vegetarianos tanto em casa quanto em restaurantes especializados. ?Ser vegetariano é normal. Vou em uma churrascaria, freqüento festas, tenho uma convivência normal.? Ela é a única em sua família que adotou o vegetarianismo. ?Não forço a minha filha, por exemplo, a ser vegetariana. Isso é uma decisão totalmente pessoal.? (JC)

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