Senado atrasa aprovação do controle do tabaco

O hábito de fumar não é nada saudável. O tabagismo pode causar mais de 50 doenças diferentes, entre elas as respiratórias obstrutivas crônicas, problemas de coração e câncer. Cerca de 200 mil brasileiros morrem todos os anos devido às conseqüências do vício. Para minimizar esses efeitos e diminuir o número de mortes, foi criada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) a Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco, tratado internacional que visa a redução do tabagismo no mundo, que completa amanhã um mês em vigor. O Brasil fez parte da elaboração do documento, mas falta a ratificação do acordo no Senado para a participação efetiva do País.

A presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), regional São Paulo, Nise Yamaguchi, denuncia que o Senado está demorando demais em aprovar o tratado. A espera pode resultar na não participação do Brasil na primeira conferência internacional dos países comprometidos oficialmente com a Convenção-Quadro. Até agora, 51 países já ratificaram o acordo. Entre eles está a Índia e a Turquia, dois dos maiores produtores mundiais de fumo.

Nise explica que os senadores estão sofrendo pressão da indústria do tabaco e dos fumicultores para que a convenção não seja aprovada. ?O grande problema é a lavoura de tabaco. Há interesses que essa convenção não passe no Senado. Os produtores dizem que serão prejudicados com a convenção, alegando que imediatamente teriam que mudar de cultura. Isso não é verdade. Há a intenção de criação de um fundo patrocinado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para que haja uma transição gradual de cultura e forma de subsistência?, afirma.

Nise pede pressa aos senadores porque a convenção representa uma oportunidade única de reverter as mortes causadas pelo fumo. ?Se o Brasil não ratificar a convenção, estará virando as costas para a população. Os políticos não estão dando a atenção necessária nesse assunto. O tratado pode modificar o custo operacional da saúde no País. Quanto melhor a saúde do brasileiro, menores serão os gastos?, avalia.

A presidente da SBOC revela que algumas medidas adotadas pelo País já diminuíram o consumo de tabaco de jovens e adultos. O impacto populacional em função do acordo pode levar dez anos para aparecer a partir de sua aplicação. ?Esse é o tempo que um pulmão de um ex-fumante leva para ficar próximo a um pulmão normal?, indica. Nise acredita que os efeitos na cultura do fumo somente surgiriam em 20 anos. ?O impacto que isso vai causar será absorvido pelo tempo, pois haverá uma transição?, explica Nise. A SBOC ainda ressalta que os impostos gerados pelo setor são insignificantes diante das vidas perdidas diariamente em função das doenças relacionadas com o tabagismo.

Números assustadores

* O uso do tabaco causa quase 50 doenças diferentes;

* Os usuários são expostos a 4,7 mil substâncias tóxicas, sendo 60 delas cancerígenas;

* Ao tabaco podem ser atribuídas 45% das mortes por enfarte do miocárdio, 85% das mortes por enfisema, 25% das mortes por derrames e 30% das mortes por câncer;

* 90% dos casos de câncer no pulmão ocorrem em fumantes;

* São 200 mil mortes por ano no Brasil, ou 547 por dia, em função de doenças relacionadas com o tabaco;

* O cigarro brasileiro é o sexto mais barato do mundo, segundo a OMS;

* Entre 30 e 35% do consumo nacional de cigarros vem do mercado ilegal.

Fonte: Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC).

Ratificação serviria como modelo

O médico João Alberto Lopes Rodrigues, coordenador do Programa de Controle de Tabagismo da Secretaria de Saúde de Curitiba, informa que a ratificação do tratado reforçaria o Programa Nacional de Controle de Tabagismo, do Ministério da Saúde, e todas as ações das secretarias estaduais e municipais. ?O Brasil fortaleceria sua imagem no cenário internacional como modelo para países em desenvolvimento. Todas as estratégias conseguiram mais verbas. A longo prazo, os recursos também viriam do exterior?, opina.

Ele enfatiza que, nos últimos 15 anos, houve uma redução de quase 50% do número de fumantes em todo o Brasil. No último levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Estatística e Geografia (IBGE), em 2003, foi constatado que 18,8% da população adulta é fumante. O consumo de cigarros per capita diminuiu 30% no mesmo período. De acordo com Rodrigues, a demanda do mercado interno está caindo, enquanto a do mercado externo só aumenta. ?O Brasil é o maior exportador de tabaco porque lá fora o controle ainda não é eficaz?, esclarece.

Curitiba possui o programa de controle de tabagismo desde 1999. Uma das ações da secretaria é a parceria com empresas e escolas municipais que visa a instituição de ambientes livres de cigarros. Agora, o órgão investe na capacitação de profissionais para atuarem em ambulatórios de abordagem aos fumantes. Com isso, a pessoa que quiser parar de fumar poderá encontrar ajuda especializada. Curitiba é a segunda capital brasileira em prevalência de fumantes, com 21% da população sendo fumante, perdendo apenas para Porto Alegre. O índice, há 15 anos, era de 27%. ?Isto é uma coisa histórica. A região Sul sempre fumou mais do que a Sudeste. A região que menos fuma é o Norte. É possível reduzir estes índices ainda mais, o que causaria impacto no aumento na expectativa de vida da população. O ideal seria ter uma parâmetro abaixo dos 10%?, destaca Rodrigues. (JC)

Produtores são contra o tratado

O membro da Associação dos Fumicultores do Brasil (Afubra), Benício Werner, rebate as críticas da SBOC. Ele diz que a entidade e outras lideranças que representam os produtores são contra o tratado da Convenção-Quadro ?até o momento em que o governo garanta aos produtores a conversão de cultura?. Ele explica que a pressão foi exercida na redação do documento, em Genebra (Suíça), pelos antitabagistas, representados por organizações não governamentais (Ongs) e órgãos públicos. ?Se houvesse dificuldade de algum país em concordar com o acordo, os delegados era hostilizados. Os representantes dos produtores de fumo tinham que ficar passivos. Os produtores puderam, no máximo, escutar. Eu queria assistir a audiência da redação final do tratado e, quando me viram, me tiraram de lá?, afirma. Werner indica que os três estados da região Sul possuem 430 mil hectares de área plantada com tabaco, controladas por 200 mil famílias. ?Se formos para outra cultura, haverá mais oferta e o preço vai para baixo, o que prejudica todos nós. Não se consegue sobreviver com isso. Para se ter a mesma receita de um hectare de fumo, seria necessário plantar entre oito e nove hectares de milho, por exemplo. Os outros sete hectares sairiam de onde? Temos locais não planos para a agricultura e áreas de reflorestamento e mata nativa. Isso não tem lógica?, opina. (JC)

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