Saúva se ”associa” a microorganismos para proteger a colônia

Brasília – A formiga saúva (Atta spp), velha e persistente praga da agricultura brasileira, ainda continua atraindo o interesse dos pesquisadores que buscam métodos eficientes para seu controle biológico. Mesmo com os avanços da biotecnologia, esta formiga cortadeira ainda causa muita dor de cabeça para os produtores rurais. Visando controlar a ação nefasta da espécie, o biólogo Adão Valmir dos Santos, doutorado pela Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf), pesquisa o efeito de fungos entomopatogênicos (fungos que causam doenças) sobre microrganismos associados à formiga.

Santos identificou bactérias e um microorganismo “actinomiceto” (transição entre a bactéria e o fungo) associados à formiga saúva. Estas bactérias foram caracterizadas pela alta capacidade de produção de compostos secundários de ação antibiótica, que afetaram a germinação de conídios (esporos) de fungos entomopatogênicos, bem como de outros patógenos (capaz de produzir doenças) importantes para a colônia.

“Os compostos produzidos pelas bactérias, contudo, não afetaram negativamente o fungo simbionte (organismo que vive em associação heterogênea de dois seres vivos, com mútua proteção) das formigas, o que indica uma integração e adaptação dos insetos, bactérias e fungo simbionte”, explica o biólogo. Isto indica que a presença das bactérias nas colônias destas formigas deve ter um papel adicional de manutenção da homeostasia (estabilidade) da colônia, evitando a disseminação de patógenos. “Portanto, um patógeno que consiga vencer a barreira de defesa comportamental das formigas, ainda estará sobre o efeito dos compostos produzidos pelas bactérias” diz Santos.

Para ele, este estudo mostra a importância em considerar os microorganismos associados à colônia destes insetos, pois compostos antibióticos por eles produzidos podem interferir no processo de estabelecimento de agentes de controle biológico. “Estudos desta natureza são fundamentais, pois ajudam a conhecer melhor esta complexa sociedade de insetos, trazendo novas perspectivas para se chegar a uma estratégia de controle biológico de sucesso”, afirma Santos.

A engenheira florestal Denise Dolores Moreira, professora da Uenf, concorda com Santos e acrescenta que conhecer mais o inseto, sua biologia, ecologia e comportamento ajuda no sucesso de seu controle. “A saúva ainda é a pior praga da agricultura brasileira, visto que seu ataque se dá ao longo do ano e não em surtos, como ocorre com outras pragas”, informa.

Já o falecido agrônomo José Lutzenberger, dizia que as pesquisas que se faziam com a saúva limitavam-se, quase sempre, a procurar venenos para exterminar a formiga ou para matar o fungo que ela cultiva no composto que faz com o material vegetal que corta. Alguns estudos também procuravam inimigos naturais ou agentes patogênicos para a própria formiga ou para o fungo. “Mas não conheço ? talvez por ignorância minha ? pesquisa que leve em conta observações diretas como as relatadas. Esta teria que se concentrar mais nos métodos de cultivo e no metabolismo das plantas a serem protegidas”, explicava ele.

Lutzenberger ressaltava ainda que a famosa frase “ou o Brasil acaba com a saúva, ou a saúva acaba com o Brasil”, exaustivamente pronunciada nos anos 60, era uma afirmação equivocada. “Está claro que a saúva não é inimiga arbitrária e não tem, nem pode ter, condições de acabar com o Brasil. Seria suicídio para ela. Por isso, a natureza de tal maneira a programou que só pode cortar plantas enfraquecidas, doentes e desequilibradas. Toda a população, seja qual for a espécie, animal ou vegetal, por melhor que se encontre enquadrada no ecossistema, sempre produz indivíduos marginais. Eliminando estes, ela contribui para a melhora da espécie, e tem função importante no processo da evolução orgânica”, dizia.

O biólogo Kiniti Kitayama, professor aposentado da Universidade de Brasília (UnB), afirma que há um pouco de exagero nessa frase. “Não devemos acabar com nenhum organismo. Temos que aprender a conviver com eles, criando formas de manejo preservando o equilíbrio ecológico do ecossistema”, defende ele.

Um outro estudo em torno da saúva, é desenvolvido por pesquisadores das universidades Federal de São Carlos (UFSCar) e Estadual Paulista (Unesp), em Rio Claro. O experimento visa o emprego da toxicidade da folha da mamona para a criação de um inseticida natural, que elimine formigas cortadeiras.

Odair Corrêa Bueno, biólogo e professor da Unesp, explica que a pesquisa levou a descoberta de vários princípios ativos, sendo o principal a ricinina (extraída da folha da mamona) e os demais são ácidos carboxílicos, que estão em teste, na forma de iscas e de nebulização para formigueiros de laboratório e alguns já no campo.

“Os estudos sobre toxicidade de plantas para formigas cortadeiras se iniciaram efetivamente no final da década de 80. No princípio eram estudadas plantas, que eram conhecidas, empiricamente, como nocivas para as saúvas, como por exemplo o gergelim, a fava brava e a mamona. Hoje, as pesquisas são mais relacionadas com plantas da ordem rutales, que já são conhecidas pelos compostos secundários tóxicos para insetos, em geral”, explica Bueno.

O projeto conta com a participação de oitos pesquisadores e alguns alunos de pós-graduação, de graduação e pós-doutorado das universidades envolvidas. O grupo é pioneiro no assunto e seu maior patrocinador, até o momento, é a Fapesp, seguida do CNPq e Finep. “Nesses oito anos de trabalho, já foram investidos cerca de R$ 1,5 milhões entre a Unesp e UFSCar”, informa o biólogo.

Segundo Bueno, ainda não há um prazo definido para o produto chegar ao mercado, porque se faz necessário um maior número de pesquisas e a realização de testes toxicológicos para se encontrar formulações mais adequadas para a aplicação em campo, além da adequação a legislação vigente para registro.

A saúva é originária do continente americano. Alimenta-se basicamente da seiva que as plantas (flores e folhas) liberam enquanto são cortadas. Pedaços do material vegetal são levados até o formigueiro, onde estão um fungo que elas cultivam e com os quais vivem em simbiose. Envoltas neste fungo são encontradas as larvas que dele se alimentam. São considerados insetos sociais, ou seja, não são predadores de outros insetos.

De acordo com Denise, a saúva ocorre em todo o país, mas segundo a literatura, não é encontrada na ilha de Fernando de Noronha. Existem cerca de 10 espécies e três subespécies no Brasil. São várias as características que as distinguem, explica a bióloga. Uma delas é a estrutura externa dos ninhos, e outra o material que cortam (algumas espécies cortam só gramíneas), “além das diferenças taxonômicas próprias de cada espécie”. A saúva ataca, principalmente, as culturas de arroz, cana-de-açucar, capins, milho, algodão, eucalipto, mandioca, goiaba, pinheiro e palmeira.

Entre os seus predadores estão aves, o tatu, o tamanduá e um besouro do gênero Canthon. O professor Kitayama garante que com o controle da saúva, a cadeia alimentar desses predadores não sofrerá conseqüências significativas, pois não há nenhum animal que se alimente só de formigas. “Infelizmente, com o desmatamento desordenado que ocorre no país a cadeia alimentar desses animais sofrerá danos”, lembra Denise.

A reprodução da saúva ocorre uma vez por ano, na região sudeste, entre outubro e dezembro. Denise explica que ocorre uma revoada ou vôo nupcial. As fêmeas virgens saem de um formigueiro principal, juntamente com os machos, para acasalar. Depois de fecundadas elas instalam sua própria colônia. Kitayama acrescenta que apenas a formiga Rainha irá gerar outros indivíduos. “Em uma colônia há apenas uma Rainha, se ela morrer, a colônia acaba”, complementa.

Por ter mandíbulas fortes, a picada da saúva é bastante dolorida e o local atingido fica inchado e vermelho. Mas o inchaço é causado apenas pela força da picada e não por algum veneno excretado. A bióloga Denise diz que as mandíbulas são parte do aparelho bucal das saúvas e se parecem com duas pinças, que são utilizadas para cortar as folhas e para a defesa.

Toda essa preocupação de combater as pragas incentivou a bióloga Lúcia Schüller a criar, em 2001, o Museu Vivo Bicho Pau, na ABC Expurgo Serviços, empresa de São Bernardo do Campo, onde ela é diretora superintendente. O objetivo é orientar crianças e jovens a entender o que são pragas urbanas e adotar posturas que evitem a sua proliferação sem lançar mão de tantos produtos químicos. “As crianças, além de poderem ver os insetos de perto, recebem instruções das monitoras para impedir a manifestação das pragas em sua casa. Ensinamos táticas simples, como não deixar o lixo doméstico exposto para não atrair moscas, tapar frestas que servem de abrigo para as formigas e armazenar bem os alimentos, evitando a infestação por pragas de cereais”, explica Lúcia.

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