Pessoas que trocam o dia pela noite

À noite, trabalho duro. De dia, conciliar o sono com as demais atividades essenciais da vida. Essa é a rotina diária de muitos curitibanos – alguns por mais de cinco anos, incluindo os finais de semana e feriados. A maioria diz que agüenta a difícil rotina, mas confessa que é preciso abrir mão de fatores importantes, como a vida social, um namoro e até a atenção à família. Se o corpo suporta o ritmo? Eles dizem que sim, mas a medicina alerta que não por muito tempo. Cedo ou tarde, dia ou noite, os problemas sempre aparecem.

Luana Alves Tannous, de 26 anos, é uma das que já tem essa ?jornada invertida?. Ela é médica residente e está se especializando em medicina intensiva, por isso se empenha, durante as noites, das 19h às 7h do outro dia, na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI), do Hospital das Clínicas de Curitiba. ?As atividades são feitas como se fosse de dia. Fazemos a continuação do tratamento do dia. Nossos cuidados são os mesmos: temos de observar, constantemente, o nível de consciência do paciente, o padrão respiratório e, quando necessário, fazemos a intervenção, não esperamos o outro dia?, explica Luana.

Ela conta que a maioria de seus colegas além de fazerem o turno da noite, trabalham direto, também de dia. Quando isso acontece ela conta que as reclamações aparecem: cansaço, raciocínio mais lento e dor nas pernas. A médica cumpre esse turno uma vez por semana. ?Estou agüentando há dois anos. A gente se desgasta, mas agüenta. No começo eu não conseguia dormir. Agora deito e durmo quando chego em casa. Aqui no hospital, quando a gente descansa, nunca dorme bem, está sempre ligada?, conta. Sobre as demais atividades, Luana diz que ?academia e outras atividades, você não vai ou vai sempre que está descansada. É preciso remanejar de acordo com o sono?, afirma.

Ela lembra que em 2005, os plantões eram um dia sim, outro não. Na época, não se alimentava na hora certa e sentia náuseas e mal-estar por conta da inversão. Questionada se compensa toda essa confusão de horários, Luana é direta. ?Estou numa fase de aprendizagem, estou me especializando, preciso fazer isso. É uma formação a mais para o futuro?, diz.

Tensão

O eletricista de manutenção da Copel, Jacir Schuastz, de 45 anos, não está se especializando. No entanto, também dedica suas noites, das 22h às 7h, ao trabalho. ?Nós atendemos os chamados de emergência na região de Santa Felicidade, Bacacheri e Centro. Atuamos em locais onde tem problema de falta de energia, oscilação, batidas em postes, furto de ramais, quedas de cabo. Sempre tem, todas as noites, em média seis chamados. A gente descansa muito pouco?, conta Jacir.

Ele reconhece que bom não é, e que o certo seria trabalhar durante o dia, mas a empresa precisa de funcionários nesse turno, principalmente nos finais de semana. Ele mora sozinho e é solteiro, portanto não tem preocupação com o horário. Porém, fica receioso com os riscos. ?O ruim é que às vezes os locais são de difícil acesso ou perigosos, como nas favelas. Muitos colegas já foram assaltados ou surrados?, conta. No entanto, o horário também tem suas vantagens. ?O bom é o deslocamento, porque não tem trânsito e movimento?, afirma o eletricista.

Ele dorme das 8h às 13h; depois levanta, come e volta a dormir até as 20h. No trabalho, às vezes ele ainda aproveita o horário da janta para descansar mais um pouco. De sexta a domingo, ele conta que atende até quatro batidas em postes, em uma noite só. Se compensa? ?Eu gosto. Você tem mais liberdade para trabalhar?, afirma Jacir.

Relacionamento

Ao contrário de Jacir, Ana Paula Gonçalves, de 29 anos, se diverte bastante no trabalho noturno, mas além de cumprir o horário, das 23h até quando durar a animação dos ?festeiros?, ela tem dois filhos para acompanhar durante o dia, além de tentar descansar. ?Tem dia que saio às 5h, tem dia que saio às 7h. Faz nove anos que trabalho nesse horário, na Zoe (casa noturna de Curitiba). É mais diversão do que estresse no trabalho, mas durante o dia eu tenho que fazer almoço para meus filhos, buscá-los na escola e tento acompanhar o crescimento deles?, afirma Ana Paula, que dorme, no máximo, cinco horas diárias.

No começo, ela lembra que foi difícil se acostumar e teve muitos problemas. ?Tive anemia. Foi difícil até o organismo se acostumar, mas agora eu administro bem?, diz. Ana Paula não tem sábado, nem domingo. Ela diz gostar porque não precisa levantar cedo e o salário compensa, pois ganha um pouco mais de adicional noturno.

No entanto, também sabe das desvantagens do horário. ?A gente não tem vida social e acaba se afastando das pessoas que têm o horário normal de trabalho. Depois que comecei a trabalhar nesse horário, o máximo que consegui levar um namoro foi por um mês. No começo eles até entendem, mas depois nunca conseguem levar, por incompatibilidade de horários?, conta Ana Paula.

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